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Imagem da destruição causada pelo ataque da junta militar na aldeia de Pazi Gyi, ocorrido em abril e que deixou centenas de civis mortos e feridos
Imagem da destruição causada pelo ataque da junta militar na aldeia de Pazi Gyi, ocorrido em abril e que deixou centenas de civis mortos e feridos| Foto: Reprodução/Al Jazeera

A situação de Mianmar, país do sudeste asiático que vive atualmente sob o domínio de uma junta militar desde o golpe de Estado que ocorreu em fevereiro de 2021, é cada vez mais grave e alarmante.

De acordo com os últimos levantamentos da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 3 mil civis foram mortos nos últimos anos de forma violenta e outros milhares tiveram que fugir do país por causa das forças de segurança, que reprimem com brutalidade qualquer forma de resistência ou protesto contra a junta.

Países do Ocidente têm condenado o golpe e as violações dos direitos humanos em Mianmar, mas as ações concretas para pressionar a junta militar têm sido limitadas e ineficazes. A ONU chegou a recomendar um embargo global de armas ao país, mas dois membros permanentes do Conselho de Segurança da organização, China e Rússia, não apoiam e nem seguem essa recomendação.

Em 2022, o enviado especial da ONU a Mianmar, Tom Andrews, afirmou que China e Rússia estavam fornecendo armas para a junta militar e que essas armas estavam sendo usadas para atacar os civis que realizavam protestos pelo país.

Andrews disse em um comunicado que, mesmo com evidências claras de que os militares no poder estavam cometendo crimes brutais com as armas que chegavam ao país, o regime de Xi Jinping e o governo de Vladimir Putin continuavam negociando e fornecendo aviões de combate e blindados para Mianmar.

Em maio deste ano, Tom Andrews lançou um novo relatório, no qual apontou que a junta militar de Mianmar segue recebendo armas da China e da Rússia de forma contínua. De acordo com os dados, a junta militar do país chegou a importar mais de US$ 670 milhões (cerca de R$ 3,2 bilhões) em equipamentos militares de ambos os países.

“Desde o golpe, entidades dentro da Federação Russa, incluindo estatais, enviaram pelo menos US$ 406 milhões em armas, matérias-primas e suprimentos para as forças armadas de Mianmar”, disse o relatório.

O documento também apontou que um total de 41 fornecedores localizados na China e 28 fornecedores localizados na Rússia são os responsáveis pelo envio dessas armas para os militares de Mianmar. “Dezesseis desses fornecedores [russos] foram sancionados por Estados-membros [do Conselho de Segurança da ONU] por seu envolvimento na invasão da Federação Russa à Ucrânia”, completou.

Andrews afirmou que as contínuas transferências de armas para os militares de Mianmar, pós-golpe, “violam o direito humanitário internacional”.

No relatório, o representante da ONU revelou que a transferência dessas armas pela China e Rússia ao país estão “indiscutivelmente sendo feitas com real conhecimento [de ambos os países] do uso ilegal delas por parte dos militares em Mianmar”, uma vez que as transferências ocorrem em meio a “bombardeios realizados pela junta contra civis” que “são continuamente divulgados pela mídia”. Essas transferências de armas “têm tido um impacto devastador sobre o povo de Mianmar”, diz o documento.

O relatório aponta que os armamentos russos e chineses têm sido usados ​​em ataques indiscriminados contra civis, incluindo escolas, instalações médicas e infraestrutura crítica. Helicópteros de ataque russos Mi-35, jatos Yak-130 e MiG-29 têm sido avistados em ataques por diferentes regiões do país. Além disso, os caças chineses K-8 e FTC-2000G são utilizados em ataques terrestres, contribuindo para uma situação de violência generalizada.

“A transferência de caças FTC-2000G em dezembro de 2022 aumenta a probabilidade de novos ataques aéreos contra civis", pontuou o relatório, sobre o envio da aeronave chinesa para os militares de Mianmar no final do ano passado.

O relatório também observou que "a remessa de matérias-primas (que incluem tubos e fios de aço; cobre; alumínios; borrachas e lubrificantes) feitas pelos chineses provavelmente sustentam a produção de armas domésticas dos militares nas fábricas de armas espalhadas pelo país".

De acordo com Andrews, as negociações para a transferência de armas e o suprimento de moeda estrangeira que ajudam a manter a junta militar no comando de Mianmar têm ocorrido por meio de canais não sancionados, como a empresa estatal de petróleo Myanmar Oil and Gas Enterprise (MOGE) e o Banco de Comércio Exterior de Mianmar, que não enfrentaram sanções significativas até o momento.

Interesse político

A China é o principal aliado político e econômico de Mianmar, além de ser também o seu maior fornecedor de armas na atualidade. O país asiático liderado pelo Partido Comunista Chinês tem interesses estratégicos no vizinho, primeiro, porque por lá passam oleodutos e gasodutos que levam energia até o sul da China, e em segundo lugar, porque Mianmar faz parte do projeto Nova Rota da Seda, uma iniciativa chinesa que visa expandir sua influência na região asiática e outras partes do mundo.

O regime de Xi Jinping tem defendido uma “solução pacífica e dialogada para a crise em Mianmar”. No entanto, tem bloqueado as tentativas da ONU de impor sanções ou medidas mais duras ao país. Pequim teme que uma intervenção externa possa desestabilizar a região e prejudicar seus interesses globais.

Já a Rússia tem laços estreitos com a junta militar de Mianmar, especialmente no setor da defesa. Além da venda de armas e equipamentos militares ao país, Moscou também tem oferecido treinamento e cooperação técnica aos militares que estão no poder. Em março de 2021, o vice-ministro da Defesa da Rússia, Alexander Fomin, visitou Mianmar e se reuniu com o general Min Aung Hlaing, líder da junta militar golpista, a quem expressou seu “apoio” e “companheirismo”.

A Rússia tem se posicionado contra qualquer ingerência nos assuntos internos de Mianmar e também tem vetado as iniciativas da ONU para condenar o golpe e impor um embargo de armas. Moscou argumenta que as sanções “só agravariam a situação” e que é preciso “respeitar a soberania e a integridade territorial de Mianmar”.

A junta militar, liderada pelo general Hlaing, não reconhece o resultado das eleições de novembro de 2020, que deram a vitória ao partido Liga Nacional para a Democracia, da líder civil Aung San Suu Kyi, que atualmente está presa e enfrenta várias acusações. Os militares alegam que houve “fraude eleitoral”, mas não apresentaram nenhuma prova.

Manifestações e mortes

Desde o golpe, milhões de pessoas saíram às ruas para exigir o retorno da democracia, eleições livres e a libertação dos presos políticos, entre eles Suu Kyi, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1991. Os manifestantes enfrentam tiros, bombas, prisões arbitrárias, torturas e desaparecimentos. Muitos ativistas, jornalistas, artistas, médicos e estudantes tiveram que se refugiar na selva ou em países vizinhos para escapar da perseguição.

Em abril deste ano, um ataque realizado pela junta militar do país contra civis na aldeia de Pazi Gyi, na região de Sagaing, no noroeste de Mianmar, resultou na morte de aproximadamente 170 pessoas. Entre elas, havia cerca de 40 crianças. Os militares justificaram o ataque afirmando que no local estava sendo realizado a “cerimônia de abertura de um escritório das Forças de Defesa do Povo”, grupo armado que luta contra o golpe.

O ataque deixou em evidência o grande impacto do comércio de armas descontrolado para o exército de Mianmar. O relatório de Andrews apontou que aeronaves russas Yak-130, controladas por forças de segurança de Mianmar, lançaram as bombas na aldeia e os helicópteros Mi-35 foram utilizados para atirar em civis.

“As bombas, metralhadoras e munições provavelmente dependiam de matérias-primas fornecidas por entidades privadas operando na China, Singapura e também na Tailândia”, aponta.

Em maio, a ONU denunciou que a junta militar não estava permitindo o acesso de ajuda humanitária a Mianmar, que sofria com as consequências da passagem do ciclone Mocha. O ciclone deixou centenas de mortos e feridos espalhados por diferentes regiões do país.

Na época, informações veiculadas pelo site português de notícias RTP afirmavam que o estado de Rakhine, que fica no oeste de Mianmar, havia sido o local que levantou maior preocupação das entidades humanitárias, pois o estado já vivia em uma situação crítica. Rakhine abriga centenas de membros da minoria muçulmana rohingya - que é perseguida pelo exército e vive há anos isolada em campos de refugiados.

A própria Suu Kyi, após se tornar líder do país, em 2016, teve sua imagem manchada por acusações de ter acobertado e até defendido violações de direitos humanos praticadas pelos militares contra os rohingya, classificadas como genocídio pela ONU.

Neste mês, um relatório divulgado pelo Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo (PRIO) revelou que pelo menos 6 mil civis foram mortos desde que a junta militar assumiu o poder em Mianmar. Esse número é significativamente maior do que o relatado pelas Nações Unidas. O relatório "Contando os Mortos de Mianmar - Vítimas Civis Reportadas desde o Golpe Militar de 2021", apontou que o exército, a polícia e as milícias afiliadas à junta militar de Mianmar foram responsáveis por mais de 3 mil mortes de civis, que foram reportadas entre fevereiro de 2021 e setembro de 2022.

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