• Carregando...

Enquanto dezenas de milhares de migrantes enfrentam uma espécie de corredor polonês para chegar à Europa, Natanael Haile, refugiado da Eritreia que agora mora na Suécia, luta para superar sua jornada apavorante.

Ele foi sequestrado duas vezes por pistoleiros do deserto, que extorquiram mais de US$ 20 mil de sua família. Ele mal e mal sobreviveu ao naufrágio de um frágil barco pesqueiro de contrabandistas ao largo da ilha italiana de Lampedusa em três de outubro de 2013, nadando pelas águas recobertas com os corpos dos mais de 350 passageiros que se afogaram.

“Quando penso no preço que eu e minha família tivemos de pegar, não valeu a pena. Eu passei pelo inferno”, disse Haile, 28 anos.

“Eu não estava procurando o paraíso na Europa, mas não é o que o que esperava”, acrescentou.

Haile e outros migrantes que chegaram a Lampedusa naquele dia afirmaram se sentir isolados nos novos países, acham difíceis as línguas locais, se preocupam com os empregos e têm pouco contato com família e amigos além dos colegas migrantes.

Mesmo assim, não pretendem voltar para casa, dizendo que acreditavam ser possível um novo começo. Eles citaram um migrante que foi preso em agosto por ligação com uma investigação de estupro coletivo na Suécia.

O naufrágio do barco em 2013, lotado com mais de 500 migrantes, foi um sinal da crise migratória na Europa, uma calamidade que chamou a atenção do mundo com o número crescente de mortes no Mediterrâneo, gerando promessas de ação unificada dos líderes europeus.

Desde então, a crise dos migrantes na Europa só fez crescer e a angustiante, mas por fim bem-sucedida busca por uma nova vida, que Haile e outros do barco alcançaram, ajuda a explicar por que a iniciativa de reduzir a maré migratória teve poucos resultados até agora.

Há poucos dias, Alemanha e Áustria abriram a fronteira para milhares de migrantes à espera de vidas mais seguras.

Haile e os outros são uma representação reveladora das dificuldades enfrentadas pelos migrantes, e das maneiras pelas quais driblam astutamente a burocracia lenta.

Sobreviventes queimaram as pontas dos dedos para evitar que as digitais fossem tiradas e registradas nos bancos de dados, o que os impediria de chegar a países mais ricos, como Alemanha ou Suécia, muitas vezes os destinos preferidos. Se digitais não são tomadas, um migrante pode seguir adiante e buscar asilo em outro lugar.

Agora que suas jornadas terminaram, os sobreviventes manifestaram desilusão e decepção com os países em que agora moram, embora nenhum conseguisse expressar o que esperava encontrar na Europa.

Mesmo assim, eles se sentem gratos pelo dinheiro e a ajuda dados pelas nações que os receberam.

Haile disse que amigos e parentes na Eritreia ligam para ele querendo saber se deveriam tentar a mesma jornada arriscada que o levou à Europa.

Segundo Haile, os aspirantes a migrantes não querem saber dos perigos de sua viagem, mas do carro usado, dos subsídios governamentais que recebe e dos planos de achar emprego como soldador quando terminar o curso de dois anos para aprender o idioma.

Ele disse que não adianta pedir para não virem.

A batalha de se adaptar a uma terra desconhecida não é nada diante da ameaça de morte ou perseguição em lugares como Afeganistão, Síria ou Eritreia, que tem um governo isolado e repressor.

Apesar dos perigos, dos muros altos, do arame farpado ou dos outros obstáculos colocados em seus caminhos, os migrantes continuavam tentando chegar à Europa, atraídos por uma minúscula perspectiva de novo começo.

“Pelo menos aqui nós não somos escravos e temos alguma esperança para o futuro”, declarou Fanus Agby, 19 anos, outra sobrevivente que chegou à Suécia com Haile, onde espera se tornar enfermeira.

Dos 155 migrantes que sobreviveram ao naufrágio em Lampedusa, quase cem chegaram à Suécia. Como desembarcaram primeiro na Itália, segundo as regras da União Europeia, eles deveriam ter as digitais registradas e fazer os pedidos de asilo ali. E também deveriam esperar pelo resultado na Itália.

Haile disse que não tinha nada contra a Itália. Contudo, em meio ao seu martírio, o sonho era chegar à Escandinávia, famosa entre os migrantes pela política de asilo generosa é que o fez seguir adiante.

“Não tem ninguém mais gentil do que os italianos, mas o sistema para refugiados é horrível.”

Demorou sete meses para as autoridades suecas processarem e aprovarem o pedido de asilo de Haile. Porém, o procedimento costuma durar apenas três meses, muito menos do que na Itália, onde pode se arrastar durante anos.

Haile disse que pretendia chegar à Noruega, que oferece os benefícios mais elevados aos refugiados, mas que terminou indo para a Suécia porque tinha contatos no país.

Para poder tomar um avião de Roma a Milão e, a seguir, Estocolmo, ele pagou 1.200 euros a um contrabandista na Itália por um passaporte italiano falso.

“Parecia muito bom, novinho em folha.”

A viagem da Eritreia, da qual fugiu para escapar ao serviço militar obrigatório ilimitado após ter servido por quatro anos no exército, começou em 2008 e durou cinco anos, com longas passagens pelo Sudão, onde foi taxista, e meses em cativeiro por obra de dois grupos de sequestradores.

De acordo com Haile, a Suécia está longe de ser o paraíso. Ele disse que as pessoas de Sandviken, embora raramente hostis, eram frias e distantes, e que “só falam quando estão bêbadas”. Ele tem vontade de ver o filho, que nasceu na Eritreia após sua partida.

Porém, de muitas maneiras, realizou o sonho que está atraindo tantas pessoas à Europa hoje em dia. É um refugiado registrado, frequenta aulas gratuitas de idioma dadas pelo governo e recebe um valor mensal superior a US$ 700.

Morgan Johansson, ministro sueco responsável pela imigração, afirmou que o país continuava determinado a ajudar os migrantes, apesar da popularidade crescente do partido Democratas Suecos, contrário à imigração, mas acrescentou que outros países necessitavam fazer valer sua força.

“Não podem ser apenas Suécia e Alemanha”, ele disse durante entrevista. “Todos devem dividir a responsabilidade.”

Outros sobreviventes da travessia tentaram não ser notados e evitar problemas.

Mohamed Kasim, 40 anos, melancólico, que mora em Tommestrup, vila dinamarquesa ao sul de Copenhague, faz aulas do idioma em uma cidade vizinha todos os dias, e vai de trem à única mesquita da região para a oração de sexta-feira. Tirando isso, fica em casa.

Kasim contou que teve dificuldades para fazer contato com os moradores, mas que seu ânimo se renovou pela chegada recente da esposa vinda da Eritreia. O governo dinamarquês paga seu aluguel e despesas gerais. Ainda assim, ele aconselha os amigos a não se arriscarem a seguir seu exemplo.

“Eu digo para não virem de jeito nenhum, mas ninguém me escuta.”

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]