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Uma bandeira inspirada na revolução de independência dos EUA e outra com a estrela vermelha comunista estão no mesmo lado na luta contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Elas estão nos uniformes de mais de 300 estrangeiros vindos de países distintos como China e Canadá que se unem a tropas curdas, sírias e iraquianas no que definem como uma luta da civilização contra a barbárie dos extremistas sunitas e sua intolerante leitura do Alcorão.

Os mais de 300 voluntários internacionais estimados pelo analista Mutlu Civiroglu foram calculados com um monitoramento que ele faz a partir de Washington com comandantes das tropas curdas. Já o Observatório Sírio de Direitos Humanos, que monitora o conflito a partir de Londres, coloca o número de estrangeiros antijihad em mais de 400. Assim como na famosa guerra de Esparta contra os persas em 480 a.C., o número de combatentes estrangeiros que se unem ao EI é muito maior: segundo a ONU são 25 mil.

Na Síria, as Unidades de Proteção Popular (YPG), próximas da tradição de brigadas internacionais como as que lutaram ao lado dos socialistas na Guerra Civil espanhola, ganharam destaque internacional após a retomada da cidade síria de Kobani. A vitória em janeiro veio após uma série de conquistas do EI contra forças iraquianas e sírias. A bandeira triangular amarela com uma estrela vermelha no meio agora tremula também em Tal Abyad. A cidade fronteiriça com a Turquia foi usada por um ano pelo EI para contrabandear equipamentos e militantes. Desde junho os jihadistas tentam reconquistar, sem sucesso, o importante entreposto.

Visão liberal

Para Civiroglu, o destaque com a vitória em Kobani foi fundamental para acelerar a ida dos estrangeiros às fileiras do YPG, o que já vinha ocorrendo há cerca de um ano.

— Kobani foi um ponto de virada. Todos estavam com medo do Estado Islâmico, e os homens e as mulheres de Kobani foram fontes de inspiração. Os voluntários são pessoas que criticam a falta de ação de seus próprios países na luta contra o EI. Tem americano, chinês, britânico, holandês... São os horrores, como as decapitações, a perseguição religiosa e a submissão das mulheres que incentivam o alistamento.

Um dos casos de maior repercussão foi o da modelo canadense Tiger Sun, de 46 anos, que lutou nas tropas do YPJ (a divisão feminina do YPG) por quatro meses. Ela voltou a seu país após sofrer de desnutrição.

— Eu testemunhei coisas que nunca imaginei. Uma vez tropecei num dedo, mas o corpo não estava à vista. Vi uma pequena menina morrer das feridas de uma explosão de mina terrestre porque os curdos não têm treinamento médico ou equipamento — disse.

Numa região marcada pela falta de participação das mulheres na vida pública, Sun foi para o grupo militar certo. Um terço das forças combatentes curdas é feminino, segundo Civiroglu. Mais liberais, os curdos veem suas mulheres em todos os espaços da vida privada e também possuem uma tradição laica, socialista e ecológica. Os simpatizantes do EI acusam o YPG de ser formado por comunistas e ateus. A tradição liberal também custou ao grupo a dissidência de alguns estrangeiros conservadores, que os veem da mesma forma.

Vários deles desertaram recentemente do YPG para se unirem a batalhões de cunho religioso como o cristão Dwekh Nawsha, no Iraque. Um dos combatentes mais famosos do grupo é um americano conhecido como Brett, que se se define um “cruzado”, em referência aos cristãos que por séculos tentaram tomar a Terra Santa do controle muçulmano. Hoje com 26 anos, ele lutou no Iraque como soldado dos EUA em 2006.

— O terrorista de um homem é o lutador da liberdade de outro. Mas aqui nós estamos lutando pela liberdade das pessoas de viverem pacificamente, sem perseguição, e manter os sinos das igrejas tocando — disse à AFP da cidade de Dohuk, no Curdistão iraquiano.

Ajudar os indefesos

Outro americano, o ex-militar Matthew VanDyke, de 36 anos, decidiu criar uma força militar privada sem fins lucrativos batizada de Sons of Liberty (Filhos da Liberdade) em referência à Revolução Americana que levou à independência dos EUA. A insígnia dos combatentes é inspirada na bandeira dos revolucionários americanos. Na página da internet, interessados preenchem uma ficha em que entre as opções está a capacidade de viajar até o Iraque com financiamento próprio ou não. Em outubro o grupo começou uma missão chamada Plano de Proteção de Nineveh, que tem como objetivo dar treinamento e proteção aos moradores cristãos dessa província.

VanDyke afirma que criou a ONG militar ao reconhecer “a falha da comunidade internacional e dos governos em protegerem de forma adequada os indefesos e dar apoio aos que lutam pela liberdade ao redor do mundo”.

O mais conhecido e atuante grupo que reúne estrangeiros, porém, é o Leões de Rojava, em referência a região do Curdistão sírio, cujo lema “é melhor viver um dia como um leão do que milhares como uma ovelha”. E parece atrair mais voluntários do que o grupo é capaz de receber. Em contato com O GLOBO, o grupo disse “não estar mais recrutando este mês”, mas que pode voltar a aceitar voluntários em agosto. Formado por estrangeiros e sírios que lutavam contra as tropas do presidente Bashar al-Assad, o grupo agora se concentra no enfrentamento ao EI.

Com 49 anos, o surfista Dean Parker abandonou as ondas da Costa Rica e se uniu aos combatentes do Leões de Rojava. Ele afirma tê-lo feito inspirado na vitória dos curdos, com apoio aéreo da coalizão liderada pelos EUA, e nas atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico nos territórios dominados.

— Eu realmente fiquei fisicamente doente e comecei a chorar de forma incontrolável. Isso nunca havia ocorrido comigo antes — disse ele ao contar como a situação de Kobani o motivou a se unir ao YPG.

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