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Curitiba – Há pouco mais de uma semana, numa reunião ministerial em Putrajaya, na Malásia, os membros do Movimento dos Países Não-Alinhados (NAM, na sigla em inglês) declararam apoio ao Irã na atual crise nuclear em que o país está envolvido. Criado por 25 países em 1961 para servir como uma terceira via num mundo dominado por duas potências, Estados Unidos e União Soviética, o NAM passou por uma crise de identidade ao ficar órfão da Guerra Fria. O crescimento do grupo – hoje são 116 países membros, mais da metade da população mundial – não significou maior influência e o movimento ainda procura sua razão de ser no cenário político internacional.

A declaração da última reunião mostra uma tendência que deve ser intensificada pelos países membros nos próximos anos e que pode dar novo fôlego à organização: a luta contra as posições da potência remanescente, os Estados Unidos. De acordo com um relatório divulgado pelo Departamento de Defesa dos EUA no início de maio, intitulado Práticas de Votação nas Nações Unidas em 2005, os países membros do NAM votaram contra os projetos apoiados pelos norte-americanos na ONU em 84,9% das vezes. Ademais, Irã e Coréia do Norte, as duas estrelas do "eixo do mal" de George W. Bush, fazem parte do NAM.

Ainda antes do fim da Guerra Fria, o movimento já tinha uma posição alinhada de combate ao capitalismo ocidental. "O movimento tinha uma tese para fora e outra para dentro. Para fora, foi a chamada alternativa aos EUA e URSS. Para dentro, o movimento defendia um sistema econômico socialista, não exatamente alinhado ao sistema de poder soviético, mas contra o capitalismo americano", defende o professor de relações internacionais da Universidade Nacional de Brasília (UnB), José Flávio Sombra Saraiva.

O NAM teve origem num encontro entre países africanos e asiáticos em 1955, mas foi oficializado apenas seis anos depois, em Belgrado, sob a tutela do então presidente iugoslavo, Josip Brod Tito. Participaram da reunião ainda o presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, e o primeiro-ministro indiano, Jawaharlal Nehru. Todos eles governantes com perfis no mínimo autoritários, elemento esse quase que essencial na história dos líderes do movimento, como foi o caso de Hafez Al-Assad, da Síria, e ainda é de Muammar Kaddafi, da Líbia, e Fidel Castro, de Cuba. Este que será o anfitrião do próximo encontro do NAM, em setembro, e vai presidir o movimento pelos próximos três anos.

Castro promete restabelecer o grupo como principal voz dos países em desenvolvimento. Seu ministro de relações exteriores, Felipe Perez Roque, já viaja o mundo convidando os principais líderes do NAM para o encontro em Havana. Mahmoud Ahmadinejad, o presidente do Irã, foi um dos que já confirmaram presença.

"O discurso dos não-alinhados parece muito mais sólido hoje do que na época da Guerra Fria. Ainda no mundo bipolar, os países membros fizeram acordos com um dos lados. O Egito construiu as hidrelétricas do Nilo com dinheiro soviético. Os EUA reergueram a Iugoslávia. Sem essa bipolaridade, faz muito mais sentido se dizer não-alinhado ao tipo de dominação que os países fortes militar e economicamente tentam impor. Apoiar o Irã não significa dizer sim a proliferação de armas atômicas. Significa marcar uma posição, ainda mais num momento em que se volta a falar das torturas no Iraque. O discurso político internacional que envolve os EUA está recheado de contradições. É uma boa hora para o movimento dos não-alinhados ganhar força", explica a professora de geopolítica do Grupo Positivo, Luciana Worms.

Ainda que possa reviver, o NAM têm grandes desafios pela frente para de fato ser visto como um grupo que defende o multilateralismo, os direitos humanos e a solução pacífica para conflitos internacionais, como prevê os Dez Princípios de Bandung, documento que serviu de base para sua criação. A contradição entre discurso e prática entre seus membros é evidente, como é também o caso dos EUA. Resta saber quem falará mais alto. O NAM, porém, só pode falar alto se falar em conjunto, quer dizer, o sucesso dos Países Não-Alinhados depende do seu alinhamento.

Numa época em que a tendência é exatamente o oposto, o desafio parece ainda maior. "O mundo não está para grandes conglomerados de países. Os países estão cada vez mais preocupados com eles mesmos. Houve um momento em que havia uma grande sociedade liberal, mas isso não avançou pela capacidade do capitalismo de quebrar o avanço dos programas de integração regional entre as nações", afirma Saraiva.

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