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O navio de resgate Sea Watch 3, em 4 de janeiro de 2019, navegando ao largo da costa de Malta. A capitã do navio, de propriedade alemã, disse que entraria em águas italianas ilegalmente para levar 42 migrantes à terra após passar 13 dias no mar
O navio de resgate Sea Watch 3, em 4 de janeiro de 2019, navegando ao largo da costa de Malta. A capitã do navio, de propriedade alemã, disse que entraria em águas italianas ilegalmente para levar 42 migrantes à terra após passar 13 dias no mar| Foto: FEDERICO SCOPPA / AFP

O navio Sea-Watch 3, com 42 migrantes resgatados a bordo, ficou no limbo por duas semanas, preso no Mediterrâneo e impedido de entrar na Europa. Nenhum país tomou a iniciativa de aceitar a embarcação. E a Itália havia ordenado diretamente que o navio não entrasse em seu território, citando uma nova e rigorosa lei.

Mas nesta quarta-feira (26), o grupo humanitário alemão que opera o Sea-Watch 3 disse que ficou sem opções. A capitã voltou o navio em direção à ilha italiana de Lampedusa e seguiu para o porto.

"Eu sei o que estou arriscando", disse a capitã Carola Rackete no Twitter, "mas os 42 sobreviventes que tenho a bordo estão exaustos. Vou levá-los para um lugar seguro".

No início da noite, o Sea-Watch 3 estava parado logo em frente a um porto italiano, e precisava de uma balsa para partir e se aproximar. A polícia se enfileirou no porto, segundo a mídia italiana, que também especulou que os migrantes poderiam ser transferidos em lanchas da guarda costeira e trazidos para terra.

O ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, que é anti-imigração, prometeu multas, prisões e apreensão de barcos - e disse que outros países europeus deveriam assumir a responsabilidade pelos migrantes.

"Vamos usar todos os meios democráticos para acabar com essa zombaria da lei", disse Salvini. "A Itália não pode ser o local de desembarque para qualquer um que queira descarregar seres humanos."

A migração no Mediterrâneo

O caso Sea-Watch 3 marcou a tentativa mais clara de um navio de resgate de decidir desafiar as ordens de uma nação.

A Itália, até um ano atrás, era o principal local de desembarque para os migrantes que cruzavam o Mediterrâneo - que tipicamente deixam a Líbia em embarcações precárias e exigem resgate de barcos comerciais, navios de caridade ou embarcações da guarda costeira.

Mas a Itália ficou frustrada com o que descreveu como uma sobrecarga desproporcionada. E, sob o governo do direitista Salvini, fechou seus portos para as embarcações de resgate de migrantes em junho passado. Esse fechamento ganhou mais força legal neste mês, quando o país adotou um decreto prometendo multas de até 50 mil euros para capitães e proprietários de embarcações que chegam à Itália sem autorização. O decreto foi criticado pela Organização das Nações Unidas, que consideram o resgate marítimo um "imperativo humanitário".

O impasse desta quarta-feira reflete a luta da Europa para lidar com a migração no Mediterrâneo, mesmo que o fluxo tenha diminuído muito dos picos históricos de 2015 e 2016. Por todo o ano passado, barcos que resgataram migrantes frequentemente ficavam presos no mar enquanto países europeus discutiam sobre quem era o responsável.

Em algumas situações, os países da União Europeia concordaram com uma maneira de dividir os migrantes. Mas os períodos de espera também trouxeram consequências negativas, há relatos de escassez perigosa de comida e de água, e de deterioração da saúde das pessoas a bordo. Em um caso, um imigrante tentou cometer suicídio pulando ao mar. Em outro caso, em março, vários migrantes, temerosos de retornar à Líbia, tomaram seu barco de resgate pela força e o direcionaram para Malta.

Líderes da UE já sugeriram a criação de centros na Europa - ou mesmo na África - onde os migrantes poderiam ser avaliados para asilo. Mas nenhuma nação se dispôs a hospedar tais centros.

Uma porta-voz da Comissão Europeia disse em um comunicado que o bloco estava trabalhando com membros para "elaborar acordos temporários para o desembarque na UE de pessoas resgatadas no mar".

Em certo sentido, a Europa conseguiu alcançar seus objetivos de migração, cortando o fluxo de migrantes para o continente, reforçando a guarda costeira da Líbia, que intercepta botes e devolve pessoas à Líbia. Mas os imigrantes na Líbia ficam vulneráveis ​​a estupros, tortura, escravidão e detenção, segundo documentação da ONU e de grupos de ajuda humanitária. Especialistas em migração dizem que é uma violação da convenção marítima internacional devolver migrantes resgatados a portos inseguros. O Conselho da Europa, um órgão de direitos humanos, disse que a decisão de terceirizar o controle de fronteira tem um "terrível custo humano".

Embora alguns países da UE tenham estado abertos a aceitar refugiados, outros, como a Hungria e a Polónia, fecharam completamente as suas portas, dificultando a divisão pela Europa da tarefa de receber os recém-chegados.

Salvini disse na quarta-feira que a responsabilidade de aceitar os migrantes da Sea-Watch deve ser da Alemanha, onde a ONG está sediada, e da Holanda, porque a embarcação estava navegando com uma bandeira holandesa. Ele sugeriu que a Itália no futuro poderia se abster de registrar e identificar recém-chegados - um passo que minaria as regras europeias que exigem que os migrantes passem pelo processo de asilo no país em que eles chegam primeiro.

Depois de fazer os resgates em 12 de junho, o Sea-Watch 3 foi instruído pela Líbia a devolver os migrantes a Trípoli, disse o porta-voz da ONG, Ruben Neugebauer, em entrevista por telefone. Mas o grupo disse que tal opção não é segura. Em vez disso, o navio foi em direção ao limite das águas italianas, ziguezagueando em águas internacionais ao largo da ilha de Lampedusa. Em 13 de junho, a Sea-Watch recebeu um email do governo italiano ordenando que o barco não entrasse nas águas territoriais do país. Dois dias depois, com a Sea-Watch 3 ainda sem ter para onde ir, as autoridades italianas entraram em águas internacionais, embarcaram no navio no meio da noite e mandaram a capitã assinar a papelada confirmando as ordens italianas.

A capitã Carola Rackete, em entrevista ao Washington Post por WhatsApp, disse que se sentia "indignada e entristecida por um país da Europa central ter chegado a esse estado de nacionalismo onde a proteção de suas fronteiras é mais valorizada do que a vida humana".

Ela escreveu em 21 de junho, "se as pessoas se deteriorarem em termos de saúde física ou psicológica, nós violaríamos a lei e iríamos para o porto imediatamente".

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