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Monótonos, grosseiros, praticamente uma peça de museu diante dos irrequietos e criativos Homo sapiens -- essa é a imagem dos neandertais que muitas vezes acaba prevalecendo. Terry Hopkinson quer corrigir tal injustiça -- e acaba de apresentar argumentos arqueológicos em favor de neandertais muito diferentes do quadro clássico. Para Hopkinson, que é pesquisador da Escola de Arqueologia e História Antiga da Universidade de Leicester (Reino Unido), os primos incompreendidos da humanidade foram tanto inovadores tecnológicos quanto desbravadores pioneiros, que conseguiram ocupar alguns dos ambientes mais imprevisíveis já enfrentados por humanos.

A análise de Hopkinson está na revista científica "Antiquity" e se concentra sobre dois tipos de indícios: os tecnológicos e os geográficos. Nesses dois campos, os antropólogos e arqueólogos costumavam achar que os neandertais basicamente não teriam realizado nada de novo. A pouca propensão a inovar teria feito deles presas fáceis dos primeiros humanos modernos a invadir a Europa, que teriam eliminado os neandertais do planeta por volta de 30 mil anos atrás.

"Dizer que os neandertais eram mentalmente inferiores e incapazes de mudança ou inovação quando comparados com os cultos e inventivos H. sapiens que invadiram o continente deles. Na minha opinião, essa é uma resposta um bocado convencida, e muito próxima da visão de mundo que os europeus tinham quando encontraram povos indígenas na era colonial", declarou Hopkinson ao G1.

O pesquisador britânico afirma que o período depois de uns 200 mil anos atrás, conhecido como Paleolítico Médio pelos especialistas, traz justamente as marcas da inovação trazida pelos primeiros neandertais (antes disso considera-se que a Europa era habitada pelos ancestrais deles, os Homo heildebergensis). A primeira delas é a invenção da técnica Levallois, um jeito de produzir ferramentas de pedra muito mais sofisticado do que os usados antes.

De forma geral, as ferramentas anteriores eram de dois tipos: ou o humano ancestral obtinha uma lasca a partir de um núcleo de pedra maior e usava essa lasca, ou o núcleo de pedra grande era trabalhado até poder ser usado ele mesmo como instrumento. A técnica Levallois funde as duas abordagens: primeiro o núcleo grande é pré-trabalhado e depois uma lasca é cuidadosamente separada dele.

A parte interessante, porém, é que essa invenção neandertal permite que o núcleo possa ser reutilizado em busca de mais lascas, que a partir daí são mais fáceis de obter. "Portanto, trata-se de algo valioso para uma população mais móvel, outra evidência que eu exploro no meu trabalho", conta Hopkinson.

Andarilhos espertos

De fato, o outro dado crucial é que, antes de 200 mil anos atrás, os hominídeos europeus tinham sua ocupação praticamente restrita às regiões baixas, planas e restritas a grandes rios da Europa Ocidental. Nenhum sítio arqueológico confiável foi identificado a leste da Alemanha ou em terreno muito montanhoso.

Mais ou menos na mesma época em que os neandertais surgem, porém, a coisa muda de figura. As regiões orientais e mais interioranas da Europa são ocupadas, bem como os terrenos acidentados, e com o tempo esses hominídeos avançam até as fronteiras do Oriente Médio, onde acabaram topando, em alguns momentos, com alguns Homo sapiens (ninguém saiu exatamente vencedor desses primeiros embates).

O importante a lembrar é que os novos ambientes ocupados pelos neandertais não eram brincadeira, diz Hopkinson. No meio da Era do Gelo, áreas tão distantes do mar e "quebradas" pelo terreno acidentado tendiam a sofrer variações muito maiores de temperatura e umidade do que as áreas planas e litorâneas, com conseqüenta variação dos recursos, colocando seus habitantes em constante risco de fome. Para piorar, são regiões onde alimentos e matérias-primas não estão concentrados de forma abundante em poucos lugares.

Ou seja, os neandertais eram, por alguma razão, bem mais versáteis do que os hominídeos que vieram antes, sendo capazes de extrair seus recursos de uma região mais ampla, com mais eficiência. Resta saber como eles conseguiram isso -- e nesse ponto o pesquisador britânico diz ter dúvidas. Explicar isso com uma mera inteligência mais avançada talvez seja simplista demais, avalia ele.

"Meu trabalho mostra, espero, que os neandertais foram o produto de um processo evolutivo dinâmico", afirma Hopkinson. Para ele, é possível que uma mudança nas relações sociais da espécie, com grupos maiores e mais bem organizados, tivesse sido capaz de impulsar o avanço neandertal -- um processo parecido com o que levaria o Homo sapiens à vitória mais tarde.

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