200 anos encenando a Paixão

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Os cavalos estavam assustados. Os microfones às vezes ficavam em silêncio ou então zumbiam. Celulares na plateia tocavam com certa frequência.

Mas, em geral, a apresentação amadora de “A Paixão de Cristo” aqui, em uma noite fresca de verão, transcorreu sem problemas, e as pessoas da cidade assumiram seus papéis com uma inspiração considerável.

Três vezes por semana até o final de setembro, os moradores desta pequena cidade do Piemonte reencenam a Paixão, os últimos dias da vida de Jesus, assim como seus pais fizeram antes deles, e os pais destes. Várias gerações.

Mais da metade dos 1.300 habitantes da cidade está envolvida na produção, recriando uma Jerusalém em pequena escala no sopé dos Alpes, todos vestidos a caráter. Este ano, o ator mais jovem tem três anos, e o mais velho, 72.

“É uma obsessão em Sordevolo”, disse Celestino Fogliano, o atual diretor da Paixão, que é apresentada aqui a cada cinco anos.

“Este ano é 200° aniversário da peça na cidade.”

O engenheiro Fogliano começou como um anjo aos cinco anos de idade na apresentação de 1960, sendo mais tarde promovido a papéis com falas.

“Já fui Cristo”, disse ele, acrescentando que o papel principal era “uma coisa de família”. Seu bisavô foi Jesus em 1870.

A maioria das peças da Paixão está ligada à Páscoa, mas em Sordevolo, o ritual gradualmente migrou para o verão para prolongar a temporada. O texto usado aqui foi escrito no século XV.

A cidade melhorou a apresentação com cenários grandiosos, coreografia mais elaborada envolvendo cavalos e a construção de um anfiteatro de 2.400 lugares em 2004.

É a maneira com que a cidade tenta se comparar à produção encenada a cada 10 anos, desde 1634, em Oberammergau, na Alemanha. Lá, a peça pode se estender por até oito horas. As produções de Sordevolo mal chegam a duas ou três horas.

“Oberammergau são outros quinhentos”, disse Carlo Pedrazzo, da Associação de Teatro Popular de Sordevolo.

Aqui, todos ficam admirados com o fato de Oberammergau ter atraído aproximadamente 500 mil visitantes em sua mais recente apresentação, em 2010. Sordevolo trouxe 40 mil.

O dinheiro dos turistas pode ajudar a compensar a crise pela qual a cidade vem passando desde que sua indústria têxtil começou a enfrentar uma recessão há alguns anos. “A indústria têxtil está morrendo, então estamos investido em cultura”, disse o prefeito, Riccardo Lunardon.

A devoção à Paixão de Sordevolo continua forte, mesmo entre aqueles que saíram da cidade.

Essa é a segunda vez que o instrutor de surf Marco Caldi, que interpreta Jesus, volta à sua cidade natal vindo de Bali, na Indonésia, para participar da Paixão apesar de um medo de palco quase paralisante.

“Já fui atacado por tubarões de 10 metros e enfrentei tempestades, mas isso não é nada comparado com o medo que sinto na frente do público. A única hora em que realmente relaxo é quando morro na cruz”, disse Caldi.