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Alunas do centro Kerala Kalamandalam fazem perfomance da dança mohiniattam em Thrissur, no Estado de Kerala, em 22 de dezembro | Andrea Mohin/The New York Times
Alunas do centro Kerala Kalamandalam fazem perfomance da dança mohiniattam em Thrissur, no Estado de Kerala, em 22 de dezembro| Foto: Andrea Mohin/The New York Times

As danças da Índia ampliaram minha ideia da própria dança, o que ela pode ser e significar.

Duas vezes nos últimos anos fiz viagens de quatro semanas ao país. A maior lição que tirei da primeira viagem (fevereiro-março de 2012) foi que a dança exerce um papel mais fundamental na cultura indiana que em qualquer outra que já conheci.

Em todo o país os deuses são retratados dançando, e a dança de Shiva é cosmológica.

A descoberta principal de minha segunda visita (entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015) foi que a dança na Índia cobre um espectro muito mais amplo que em qualquer outra cultura.

Para explicar, vou me deter sobre apenas oito dias, entre 18 e 25 de dezembro. Passei o dia de Natal em Mumbai, assistindo a um musical de Bollywood, “PK”, em que um alien canta e dança ao apaixonar-se pela heroína.

Eu tinha estado em Kerala entre 18 e 22 de dezembro, assistindo às danças mohiniattam, kathakali e theyyem.

A mohiniattam (só de mulheres) e a kathakali (só de homens) estão entre as danças clássicas da Índia. Embora a kathakali e a theyyem estejam entre as mais estranhas, elas hoje ocupam lugar de destaque nas imagens criadas para atrair turistas, devido à maquiagem exótica e pitoresca dos dançarinos.

Dança homérica em sua métrica épica, seu drama repleto de personagens e a variedade de suas cores intensas e dramáticas, a kathakali só se tornou uma revelação para mim nesta viagem, e eu acabaria retornando a Kerala para renovar o contato com ela.

Na noite de 19 de dezembro, correndo de táxi de uma extremidade em Thrissur (onde acontecia e uma longa e exuberante apresentação de dança kathakali ao ar livre) a outra (para ver alunas do centro Kalamandalam dançando a forma mohiniattam) e voltando novamente, o cenário de dança me pareceu tão agitado quanto o de Nova York.

Eu retornaria também para pesquisar melhor a dança theyyem, que, embora não seja a experiência de dança mais fascinante que já tive na minha vida, foi de longe a mais estranha.

Como a dança kathakali, a theyyem é uma arte com homens usando maquiagem extraordinária e figurinos complexos.

A maquiagem facial é principalmente vermelha, mas há desenhos internos complexos e os olhos são delineados de modo drástico. Em um caso, presas metálicas saíam da boca do dançarino. Como os figurinos, a maquiagem indica qual dos deuses locais está sendo representado.

E é assim que dançam os bailarinos —usando roupas pesadas, coloridas e que restringem fortemente seus movimentos.

Os passos não são complexos, mas rítmicos; o dançarino se desloca e gira no espaço; no rosto, apenas os olhos se movem, transmitindo veemência.

Os passos e a mobilidade das danças não possuem nada do fascínio formal dos gêneros clássicos indianos, mas possuem uma força atrofiada que se fixa na memória do espectador.

A theyyem é apenas um exemplo surpreendente da sociologia da dança indiana. Uma imagem mais arquetípica do país, mas que agora está ficando no passado, é a da dançarina do templo.

Para os profissionais do balé, a figura da “bayadère”, ou dançarina do templo, é a ideia central que eles têm da dança indiana —em especial a de Nikiya, a heroína do balé clássico “La Bayadère” (1877) e dos bailarinos que retratam o Reino das Sombras.

Mas a verdade histórica das bayadères vem da tradição indiana secular das “devadasis”: mulheres dedicadas ao templo desde sua infância, algumas delas como dançarinas e/ou instrumentistas musicais, outras como prostitutas e ainda outras cumprindo todas essas funções.

Embora não existam mais dançarinas do tempo, há dança que acontece em templos. Em 20 de fevereiro de 2012, em Tamil Nadu, assisti a um festival de dança no templo de Chidambaram no dia do ano em que o grande deus Shiva é homenageado como Nataraja, senhor da dança cósmica.

Chidambaram é o templo mais associado a Nataraja, cuja dança assinala a transformação, destruição e renovação. As estátuas do deus o mostram equilibrado sobre uma perna, dentro de um arco ou círculo de fogo.

Algumas das implicações de sua postura são o movimento dentro da imobilidade e a imobilidade no interior do movimento.

O sagrado e o profano, o movimento e a estase, a renovação e a destruição: a cultura indiana se compraz nos dualismos, e a dança está ao seu cerne.

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