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Após os recentes ataques terroristas, alguns judeus cogitaram | Jeff J. Mitchell/Getty Images
Após os recentes ataques terroristas, alguns judeus cogitaram| Foto: Jeff J. Mitchell/Getty Images

Graças ao meu nome, que parece judaico, apesar de eu ter sido criada em uma família católica, faz algum tempo que sou abençoada com todo tipo de e-mails vindos de Israel —agências imobiliárias de Tel Aviv, ofertas de viagens, mensagens de apoio às tropas—, que costumo deletar sem pensar duas vezes.

Mas, algumas semanas atrás, encontrei um novo convite em minha caixa de entrada: “Prepare a sua Aliyah”. “Aliyah” (ascensão) é a palavra hebraica usada para os judeus espalhados pelo mundo que decidem se mudar para Israel. Esse e-mail —suponho que ele tenha sido enviado para dezenas de milhares de outros nomes judeus franceses— era um anúncio de aulas de hebraico especialmente criadas para judeus da França, que, assustados pelos recentes ataques terroristas, poderiam estar tentados a partir.

Depois dos tiroteios em Copenhague, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, pediu mais uma vez a “emigração em massa” de judeus da Europa para Israel. Mas como se pode defender a tese de que os judeus deixem seu país, seja a Dinamarca ou a França?

A Europa sem judeus: é o que os nazistas tentaram obter. Também seria garantir a vitória dos terroristas que os atacam. Como mostra a reação na França e na Dinamarca, enfrentar a ameaça significa ficar, não fugir.

A Europa enfrenta dois desafios fundamentais. O primeiro é representado pelos islâmicos radicais que matam cartunistas, judeus e membros das forças de segurança. Seus ataques visam dois marcos das sociedades ocidentais: a liberdade de expressão e a diversidade. Os ataques foram realizados em países onde o pluralismo —de ideias, religião, política, etnia e língua— faz parte da identidade nacional. Esse desafio vem do sul e de seus grupos extremistas de terror.

O outro desafio vem do leste: a determinação do presidente Vladimir Putin de mudar as regras da ordem internacional estabelecida na Europa depois da Guerra Fria. Mais uma vez, por meio do ataque russo à Ucrânia, uma parte fundamental da identidade europeia está sendo agredida.

E como a Europa reage? Meu colega Jochen Bittner, do jornal alemão “Die Zeit”, escreveu no “The New York Times” no mês passado que fomos atingidos por uma “doença autoimune”, afirmando que “duas virtudes fundamentais do Ocidente, a dúvida e a consciência, estão se voltando contra seus inventores”.

Basta comparar o discurso de posse de John Kennedy em 1961, diz ele, com as declarações atuais da chefe da política exterior da União Europeia, Federica Mogherini, para ver como o Ocidente caiu no vazio.

Bittner acredita que o apelo de Mogherini para que Moscou use sua “influência considerável” sobre os separatistas na Ucrânia foi “crivado de hesitação”.

Eu discordo. O mundo de hoje é muito mais complexo que o mundo bipolar da Guerra Fria. Comparar a chefe da política exterior da União Europeia, com todas as suas restrições estruturais, com o antigo líder do mundo livre é bastante injusto. Não havia Federica Mogherini em 1961 porque a Comunidade Europeia estava na infância, com apenas seis países membros. Hoje com 28, a UE é muito mais complexa de dirigir, mas também mais poderosa.

Certamente o Ocidente vacilou nos últimos 15 anos, da desastrosa “guerra ao terrorismo” global à crise financeira. Ele inverteu sua política para a Síria e interpretou Putin muito mal. Mas não é uma questão de o Ocidente ser forte antes e fraco hoje.

O Muro de Berlim foi erguido em 1961 e um Kennedy confiante não foi à guerra por causa dele, assim como o Ocidente não foi à guerra por causa de Budapeste em 1956 ou Praga em 1968.

Os novos desafios que a Europa enfrenta —e as ameaças fundamentais que eles colocam— trouxeram-nos a um ponto de inflexão. Veja o ato de desafio dos franceses que se manifestaram em 11 de janeiro, como nunca antes, em defesa da liberdade de expressão e do pluralismo, assim como os dinamarqueses que se reuniram recentemente, e a notável demonstração de solidariedade internacional que acompanhou a ambos. Veja a participação de vários países europeus na luta contra o Estado Islâmico e contra a Al Qaeda no Mali. Veja o novo nível de cooperação entre os líderes da Alemanha e da França.

O esforço conjunto da chanceler Angela Merkel e do presidente François Hollande para negociar um cessar-fogo na Ucrânia não foi uma iniciativa neutra. O Ocidente mostrou claramente que estava do lado do presidente Petro Poroshenko, não de Putin.

Os líderes ocidentais demoraram para chegar a um acordo sobre a seriedade da ameaça à Ucrânia, mas finalmente agora a estão enfrentando.

Isto é apenas o começo, porém.

Do leste, haverá mais desafios. Do sul, mais ataques.

Na França, a ascensão do partido Frente Nacional, o número crescente de atos antissemitas e as tensões que cercam a população muçulmana são apenas alguns sinais do turbilhão que afeta muitos países europeus.

Diante de múltiplas crises, a Europa pode e deve usar suas forças. Dúvida e consciência continuam sendo virtudes poderosas, quando usadas em defesa de uma sociedade pluralista e livre.

Sylvie Kauffmann é diretora-editorial e ex-editora-chefe do jornal francês “Le Monde”.

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