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A América do Sul que cobri na década de 1980 era um local de violência, instabilidade, hiperinflação, estagnação econômica e uma forte divisão entre direita e esquerda. Se possuo uma única imagem emblemática do continente, é a de mulheres chorando incontrolavelmente na Argentina, segurando as fotografias de filhos que haviam sido levados para "breves interrogatórios" e desapareceram. As juntas militares da região transformaram "desaparecer" em um verbo transitivo. Era o que eles faziam a supostos inimigos.

A Argentina acabava de sair de um regime militar, de 1976 a 1983. Não conhecíamos os detalhes de sua crueldade: os mais de 30 mil desaparecidos, os voos de desova de corpos sobre o sul do Atlântico, o uso extensivo de tortura na Escola de Mecânica da Marinha, em Buenos Aires. Contudo, onde quer que eu fosse naquela nação assombrada, uma terra que tem tudo, mas sempre optou por desperdiçar seu potencial, o trauma estava presente. Com desaparecimentos não há um desfecho. Não há como apagar o irracional apego a algum pedaço de falsa esperança.

No Chile, a ditadura militar do General Augusto Pinochet ainda funcionava. Mais uma vez, ainda não era aparente toda a extensão dos assassinatos e tortura. Vi o terror nos rostos de inúmeros jovens chilenos, especialmente nas favelas de Santiago, crianças com olhos inquietos e marcas de queimadura na pele. A repressão após a tentativa de assassinato de Pinochet, em 1986, foi brutal. E então, em 1988, veio a notável campanha para derrubar a cortina sobre o governo militar, através de um plebiscito. "Nós o expulsamos com um lápis", dizia o slogan. A alegria foi tão intensa quanto o terror de dois anos antes.

O regime militar do Brasil havia sido um pouco menos rígido, mas o período a seguir foi um caos. Tom Jobim, compositor de "Garota de Ipanema", observou que "o Brasil não é para iniciantes". O país que encontrei exigia uma longa iniciação. Sucessivos planos de estabilização econômica fracassaram enquanto a inflação subia. Nos dias de pagamento havia uma corrida aos supermercados, para comprar antes que os preços duplicassem. O Brasil, como diziam, tinha um futuro incrível – e sempre o teria, cintilando logo além de um presente caótico.

Do Atlântico ao Pacífico, a extensão dos problemas no continente pareciam deixar um futuro melhor fora de alcance. As semibatalhas da Guerra Fria foram travadas com grande intensidade, com sua lógica destrutiva recebendo um toque romântico pelas figuras de Fidel Castro e Che Guevara. No Peru, visitei Machu Picchu sozinho. Não havia nenhum turista. Amplas áreas do país estavam sob controle dos revolucionários maoístas do movimento Sendero Luminoso. E a história prosseguiu com suas iterações de desperdício.

Então voltar para cá é sempre uma surpresa – no geral, uma surpresa esperançosa. O mundo é basicamente dividido em áreas com a capacidade de superar feridas profundas e outras, principalmente o Oriente Médio, presas a um ciclo de violência repetitiva. Giuseppe Tomasi di Lampedusa afirmou, em seu romance "O Leopardo", que "tudo precisa mudar para que tudo possa permanecer o mesmo". Todavia, na América Latina, a mudança é mais do que uma ilusão – mesmo sendo menos completa do que possa parecer.

O que aconteceu? A Guerra Fria terminou. Uma política externa dos Estados Unidos que apoiava os ditadores latino-americanos foi abandonada. Uma medida de consenso foi obtida na necessidade de economias abertas. Uma explosão de commodities, vinculada à ascensão da China, impulsionou países ricos em matérias-primas. O comércio entre países do sul decolou. A cultura do caudilho cedeu lugar a uma cultura que colocou uma mulher na liderança do Brasil e outra prestes a comandar o Chile.

No entanto, as tendências da história não são uniformes. Em Hugo Chávez, a esquerda sul-americana encontrou mais uma figura romântica para uma era pós-Guerra Fria, um símbolo da luta contra as políticas do livre mercado conhecidas como o Consenso de Washington, contra o gringo e os mestres do universo em um mundo hiperconectado. Um homem de descendência mestiça entre ameríndio, afro-venezuelano e espanhol, Chávez retratou sua luta como um dos inúmeros pobres do continente contra o homem branco dominante – e seu apelo ressoou pelo Equador, Bolívia e até mesmo Argentina.

Como resultado, a América Latina se encontra mais uma vez dividida. De um lado há os países da recém-formada Aliança do Pacífico – Chile, Colômbia, México e Peru –, que seguem políticas de livre mercado e buscam relações mais próximas com os Estados Unidos. No geral, apesar do fim do boom das commodities, suas economias estão fortes. Do outro lado há países como Venezuela e Argentina, que estão no meio do caos econômico – inflação alta, dívidas não pagas, escassez, grandes disparidades entre o câmbio oficial e do mercado negro – e onde a resistência política aos Estados Unidos segue como um tema poderoso.

A presidente da Argentina, Cristina Fernández Kirchner, recentemente acusou o Ocidente de tentar fazer os argentinos "tomarem sopa usando um garfo". O problema desse tipo de retórica é que ela não coloca comida na mesa. E na Venezuela, vem surgindo uma onda de violência contra as políticas que tornaram pobre um país rico.

Então algumas coisas continuam iguais. Mas o que mudou já parece quase milagroso.

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