• Carregando...
Ações de Kiev para isolar separatistas privaram os moradores idosos de cuidados. Um hospital em Zimogorye | Brendan Hoffman /The New York Times
Ações de Kiev para isolar separatistas privaram os moradores idosos de cuidados. Um hospital em Zimogorye| Foto: Brendan Hoffman /The New York Times

No consultório abarrotado do cardiologista no sudeste da Ucrânia, Tatyana Ivanovna, de 76 anos, implorava por sedativos.

Andrey Polyakov, seu médico, sabia que não havia nada que pudesse fazer. Na última meia-hora, ele teve que negar pedidos de antibióticos, pílulas de hipertensão e outros medicamentos de rotina que quase desapareceram desta parte da Ucrânia que está sob o controle dos separatistas.

“E para a ansiedade?” perguntou ela. Sofrendo de pressão alta e dor nas costas, Tatyana começou a ter ataques de pânico quando um morteiro atingiu a casa do seu vizinho em outubro.

“Álcool!”, disse o médico, encerrando a consulta.

Mesmo antes da guerra, já era difícil enfrentar as dores e os problemas da velhice com uma aposentadoria miserável aqui na área carvoeira de Donetsk. Agora, há uma batalha pela sobrevivência, que piora a cada dia, pois a luta se intensifica apesar do instável cessar-fogo.

Aposentadorias são bloqueadas, os bancos estão fechados e as prateleiras das farmácias, vazias. Em grande parte, esse é o resultado de medidas tomadas por Kiev para isolar as milícias apoiadas pelos russos e evitar que o dinheiro do governo vá para os separatistas.

“Uma mulher chega dizendo que está com dor nos rins”, disse Polyakov, que trabalha em um hospital que serve de base para a organização Médicos sem Fronteiras. Quase 200 pessoas por dia visitam a clínica onde ele trabalha.

“Quando confiro a lista de medicamentos que temos, vejo que não há nada. Posso dizer para o paciente ir comprá-lo, mas as farmácias estão vazias. E nem adianta, porque ninguém tem dinheiro de qualquer maneira.”

A Médicos sem Fronteiras oferece ajuda limitada porque a Ucrânia restringe os tipos e as quantidades de suprimentos que a organização pode trazer para o país.

Em novembro, o presidente Petro O. Poroshenko assinou uma ordem que fechou todas as instituições governamentais nas áreas do sudeste da Ucrânia controladas pelos rebeldes: delegacias, tribunais, universidades e hospitais. A distribuição de medicamentos para os hospitais regionais também foi interrompida. Aqueles com problemas de saúde poderiam receber suas aposentadorias e tratamento médico se cruzassem as linhas de frente, vindo para o território do governo.

A Rússia exigiu que a Ucrânia retomasse o pagamento dos benefícios sociais e a manutenção do sistema de saúde, mas ao mesmo tempo reconhece a autonomia do governo separatista.

“Imagine um sistema de saúde sem remédios. Aqueles com diabetes ou problemas cardíacos vão morrer se não receberem sua medicação”, disse Loic Jaeger, diretor da missão da Ucrânia da Médicos sem Fronteiras.

Os jovens abandonaram várias cidades, indo para outras partes da Ucrânia ou para a Rússia, mas os idosos ficaram. Em um posto de auxílio na cidade de Vuhlehirsk, severamente danificada, cerca de 50 idosos reviravam caixas de papelão contendo cobertores e roupas doadas. Nas proximidades, uma fila se formou na frente de uma loja que havia prometido distribuir pães.

“Um médico!” gritou alguém. Uma senhora de 69 anos de idade havia desmaiado em seu apartamento na esquina, aparentemente de fome.

Em Perevalsk, um novo paciente chega ao consultório de Polyakov a cada três ou quatro minutos. O médico prescreve medicamentos básicos como analgésicos, porém, cada vez mais, os pacientes saem de mãos vazias.

Uma mulher com bronquite crônica disse que tinha dificuldade de sair da cama. Outra perguntava sobre o marido, que tinha ataques incontroláveis de tosse. “Ele trabalhava nas minas?” perguntou uma enfermeira. Quando ela disse que sim, a enfermeira e Polyakov levantaram as mãos, como que dizendo “O que é que você esperava?”

“Isso vai acontecer com qualquer um que chegue a essa idade. Não dá para evitar, e ninguém precisa de você. Mas o pior é que não há nada a ser feito, nem comprado”, disse Polyakov.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]