• Carregando...
A fábrica de roupas do parque industrial Codevi, no Haiti, produz uniformes para fornecedor das Forças Armadas dos EUA | Meridith Kohut para The New York Times
A fábrica de roupas do parque industrial Codevi, no Haiti, produz uniformes para fornecedor das Forças Armadas dos EUA| Foto: Meridith Kohut para The New York Times

Um dos maiores compradores de vestuário do mundo, o governo dos Estados Unidos gasta mais de 1,5 bilhão de dólares por ano em fábricas no exterior, adquirindo todo tipo de peça, desde as camisas de cor azul-real usadas pelos seguranças dos aeroportos até as camisas abotoadas de tom verde-oliva dos guardas florestais e as calças camufladas vendidas às tropas de bases militares.

No entanto, embora o governo Obama tenha incentivado os compradores ocidentais a usarem seu poder de compra para fazer pressão por melhores condições de trabalho nesse setor, tendo em vista os vários desastres em locais de trabalho ocorridos ao longo dos últimos 14 meses, o governo americano tem feito pouco para adequar seus próprios hábitos como comprador.

Autoridades do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos dizem que as agências federais têm "tolerância zero" para com a utilização de fábricas estrangeiras que violam as leis locais, mas os fornecedores do governo americano de países como Bangladesh, República Dominicana, Haiti, México, Paquistão e Vietnã mostram um padrão de violações legais e condições de trabalho difíceis, de acordo com auditorias e entrevistas realizadas em fábricas. Entre elas estão saídas de incêndio fechadas com cadeados, edifícios em risco de desabamento, registros salariais falsificados e perfurações recorrentes nas mãos com agulhas de costura, que acontecem quando os trabalhadores são pressionados para produzir mais rápido.

Em Bangladesh, as camisas com o logotipo do Corpo de Fuzileiros Navais vendidas em lojas militares são produzidas na DK Knitwear, onde, de acordo com uma auditoria de 2010, crianças compunham um terço da força de trabalho. A revelação levou alguns fornecedores a cortar laços com a fábrica. Os gestores batiam nos trabalhadores se parte da produção fosse perdida, e a fábrica não tinha um sistema de alarme funcional, apesar de incêndios anteriores, disseram os auditores. Muitos dos problemas continuam, de acordo com outra auditoria realizada neste ano e de entrevistas recentes com os trabalhadores.

Em Chiang Mai, Tailândia, funcionários da fábrica Georgie & Lou, que fazem roupas vendidas pelo Instituto Smithsonian, disseram sofriam descontos ilegais de mais de 5 por cento do seu salário de aproximadamente 10 dólares por dia caso algum item de vestuário tivesse problema de acabamento. Eles também descreveram casos de violência física por parte de gerentes de fábricas e o monitoramento de trabalhadores por câmeras até nos banheiros.

Na fábrica de vestuário Zongtex, em Phnom Penh, no Camboja, que faz roupas vendidas pelo Exército e pela Força Aérea, uma auditoria realizada neste ano encontrou quase duas dezenas de trabalhadores menores de idade, com idade de até 15 anos. Vários deles disseram ao New York Times que foram instruídos a se esconder dos fiscais.

"Às vezes as pessoas defecam sem sair da frente da máquina de costura", revelou um trabalhador, devido a restrições aos intervalos para ida ao banheiro.

As agências federais raramente sabem quais fábricas produzem as roupas que elas adquirem, e muito menos exigem que sejam realizadas auditorias em suas instalações, de acordo com entrevistas realizadas com autoridades do setor de contratação e especialistas do setor. As agências, acrescentaram eles, supervisionam bem menos os fornecedores estrangeiros do que muitos varejistas. E não existe nenhuma lei que proíba o governo federal de comprar roupas produzidas em condições inseguras ou abusivas no exterior.

"Isso não existe pelo mesmíssimo motivo pelo qual os consumidores americanos continuam a comprar das fábricas que exploram os seus trabalhadores", disse Daniel Gordon, ex-funcionário do governo num alto cargo de compras federais. "O governo prioriza a obtenção do melhor preço."

Frank Benenati, porta-voz do Escritório de Administração e Orçamento, que supervisiona grande parte da política federal de compras, disse que o governo tem feito progressos na melhoria da supervisão, incluindo uma ordem executiva de 2012 que torna mais rígidas as regras contra a contratação por parte do governo de fornecedores que se utilizam de servidão por dívida ou outras formas de trabalho forçado.

Autoridades do Departamento do Trabalho e de Estado têm incentivado os varejistas a participarem da revisão dos regulamentos relativos às condições das fábricas em Bangladesh. Mas em dezembro, autoridades do setor de defesa ajudaram a derrubar uma medida legislativa que teria determinado que as lojas militares – que no ano passado lucraram mais de 485 milhões de dólares – se adequassem a essas regras, já que alegavam que o custo anual de 500 milhões era excessivamente alto.

As agências americanas não costumam encomendar roupas diretamente das fábricas. Elas dependem de empreiteiros. Isso dificulta o monitoramento da cadeia de suprimento internacional por parte das agências.

Durante o verão, oficiais militares informaram o deputado George Miller, democrata da Califórnia, de que formulários de encomenda de vestuário com logotipos do Corpo de Fuzileiros tinham sido encontrados em restos carbonizados da fábrica Tazreen, em Bangladesh, onde ocorreu um incêndio que matou 112 trabalhadores no ano passado. Várias semanas depois, as autoridades disseram que haviam descoberto meia dúzia de outras fábricas que produzem peças de vestuário do Corpo de Fuzileiros sem autorização. Os donos da Tazreen e 11 funcionários foram acusados de homicídio culposo.

Desde o incêndio ocorrido na fábrica Tazreen em 2013, as lojas militares americanas passaram a encomendar ainda mais roupas de Bangladesh.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]