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Alain Leroy, dono da casa de leilões EVE, com artefatos indígenas norte-americanos | Joel Saget/Agence France-Presse — Getty Images
Alain Leroy, dono da casa de leilões EVE, com artefatos indígenas norte-americanos| Foto: Joel Saget/Agence France-Presse — Getty Images

O leilão, em Paris, deveria ser realizado rapidamente, com dois itens por minuto.

Mais de cem artefatos indígenas norte-americanos seriam vendidos na Drouot, incluindo 24 peças semelhantes a máscaras, consideradas sagradas para os hopis do Arizona. A tribo, autoridades dos EUA e outros tinham tentado bloquear a venda na justiça francesa, alegando que os objetos eram sagrados e tinham sido roubados há vários anos.

A Fundação Annenberg então decidiu se envolver: a partir de seu escritório em Los Angeles, se dispôs a comprar todas as peças, além de outras três preciosidades dos apaches de San Carlos, no leilão de nove de dezembro, e devolvê-las às tribos. E para evitar uma escalada dos preços, manteve segredo até mesmo dos hopis, em parte também para protegê-los de uma possível decepção.

A instituição nunca tinha feito nada semelhante a uma operação de repatriação desse porte, mas já esperava que a logística fosse complicada.

Dois funcionários em Los Angeles, sendo um fluente em francês, assumiram a missão. Discretamente, um advogado, Pierre Servan-Schreiber, também foi contratado em Paris para representar os hopis ao longo do processo judicial e servir de "vigia".

Ele ficou o tempo todo no fundo da sala, ao telefone, com o pessoal da fundação; quem ficou lhe cochichando as atualizações foi Philip J. Breeden, adido cultural da Embaixada dos EUA.

Camuflar o papel da organização era essencial.

"Eu sabia que não daria nada certo se a casa soubesse o que pretendíamos fazer", comentou Servan-Schreiber.

A venda foi organizada pela casa de leilões EVE, com peças de várias tribos norte-americanas que pertenciam a colecionadores franceses — que, por sinal, disseram ter tido bons lucros. Alguns chegaram a ficar surpresos com os preços obtidos no leilão realizado em abril de 70 artefatos hopis.A tribo ficou indignada com a venda anterior que, como esse leilão, ofereceu os adereços de cabeça com decoração vibrante conhecidos como "katsinam" — e foi à justiça para tentar bloquear as duas vendas, pois alega que as peças não são apenas artigos religiosos, mas sim entidades vivas de espíritos divinos.

Gregory Annenberg Weingarten, vice-presidente e diretor da fundação, vive em Paris e acompanhou a batalha legal na imprensa francesa. Depois que os hopis perderam a causa em seis de dezembro, ele foi à casa de leilões para ver os artefatos, todos com mais de cem anos de idade.

"Esses não são troféus para serem exibidos; são objetos sagrados para os indígenas norte-americanos. Não poderiam estar numa casa de leilões nem na coleção particular de ninguém", comentou ele depois.

Weingarten aprovou um orçamento entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão para comprar todos os 27 lotes, ou seja, as 24 máscaras dos hopis e os três objetos de adoração dos apaches de San Carlos, também no Arizona.

A certa altura, o dono da EVE, Alain Leroy, disse ter notado que um participante estava arrematando todos os objetos hopis e pediu a um empregado que verificasse o que estava acontecendo. Mesmo com a garantia de que o comprador era legítimo e tinha fundos para bancar a transação, foi ficando cada vez mais frustrado e chegou a comentar em voz alta que esperava que o comprador secreto "deixasse um pouco para os outros".

Alguns membros da tribo decidiram assistir à venda on-line. Sem saber das forças que estavam agindo em seu favor, confessaram terem ficado arrasados ao verem os itens sendo vendidos, um a um. Sam Tenakhongva, diretor cultural para os índios, confessou que, ao ir para a cama naquela noite, já de madrugada, teve a impressão de se despedir dos espíritos representados nos adereços.

A fundação, porém, teve sucesso absoluto: ao final da venda, tinha usado US$ 530.695 para comprar todos os 24 objetos hopis e os três dos apaches.

A única decepção foi a perda de dois itens, apenas por falta de entendimento (um deles, adquirido por outra pessoa, também será devolvido à tribo.), mas garantiu o lote mais precioso, o Crow Mother, vendido a US$ 130 mil.

Os índios só souberam da boa notícia horas depois, quando a administração da instituição revelou, por e-mail, o esquema das compras "clandestinas".

O próximo passo é descobrir a melhor forma de devolver as preciosidades feitas em madeira, couro, crina de cavalo e penas pintadas em tons fortes de vermelho, azul, amarelo e laranja. Isso porque não podem ser envoltas em plástico bolha, por exemplo, pois isso sufocaria os espíritos. Os hopis ainda não revelaram os planos que têm para os artefatos, apenas fizeram questão de deixar claro mais uma vez que não são objetos de arte; os katsinam ainda são utilizados em cerimônias e deixados de lado depois de um tempo para se desintegrarem naturalmente.

Sobre a experiência, Tenakhongva comentou: "Ninguém deveria ter que comprar de volta seus próprios objetos sagrados, mas pelo menos agora eles podem voltar para casa e descansar em paz".

Uma fundação compra os artefatos de uma tribo para devolvê-los aos verdadeiros donos

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