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Capital alemã tem uma face sombria em locais como o Memorial Berlim-Hohenschönhausen | Daniel  Etter/The New York TImes
Capital alemã tem uma face sombria em locais como o Memorial Berlim-Hohenschönhausen| Foto: Daniel Etter/The New York TImes

Berlim é uma cidade dividida entre o sério e o divertido.

Fui a Berlim no verão do ano passado para conhecer em primeira mão os monumentos que lembram os acontecimentos mais infames da história do século 20. Mas eu estava visitando minha filha de 21 anos, Emma, que estava trabalhando na cidade porque Berlim é, nas palavras dela, “o lugar mais cool do mundo”.

Emma me acompanhou a muitos memoriais do Holocausto, exposições sobre a Segunda Guerra Mundial, antigas prisões da Stasi, monumentos soviéticos, sinagogas, cemitérios e resquícios do Muro de Berlim.

A cidade também abriga lugares divertidos e vibrantes como o restaurante Kimchi PrincessDaniel Etter/The New York Times

E eu, por minha parte, não consegui ignorar o dinamismo e o clima boêmio cool das coffee shops “fair trade” (comércio justo), dos restaurantes veganos, das galerias de arte, das lojas de artigos vintage, das feiras de rua, dos concertos, das ciclovias e das boates que só se esvaziavam na hora em que eu saía para tomar meu café matinal.

Decidi conhecer as duas faces de Berlim. Resolvi começar por um hotel relativamente novo, mas imponente, o Das Stue, que ocupa um prédio de pedra da década de 1930, em estilo fascista, projetado em conjunto com os planos grandiosos de Albert Speer para a capital.

Emma não me deixava consultar um mapa em público, e eu não a deixava acumular custos de “roaming”, procurando orientações no meu iPhone. Assim, levamos quatro horas e um ônibus, um trem, três metrôs e um táxi para chegar até o Memorial Berlim-Hohenschönhausen, uma prisão da Stasi.

O guia nos explicou como as celas e as salas de interrogatório do notório Campo Especial Número 3 foram locais onde os sovietes torturaram, assassinaram e deixaram morrer de fome muitas centenas de prisioneiros entre 1945 e 1951, quando a prisão passou para o controle da polícia alemã oriental, conhecida como a Stasi.

Passamos horas no Museu Judaico, num prédio concebido como uma Estrela de Davi desconstruída, mas aprendemos mais sobre o Holocausto no museu e centro de documentação Topografia do Terror, erguido sobre os antigos escritórios da Gestapo. Ali, os visitantes podem examinar um resquício do Muro de Berlim e as ruínas de celas de prisão. No final, Emma ficou pensando que talvez tivesse errado em sua escolha de profissão. “Será que é tarde demais para virar caçadora de nazistas?”, perguntou.

Havia ainda mais, é claro. A antiga sede da Stasi na região central de Berlim, hoje o Stasi-Museum Berlin, nos pareceu fascinante de um jeito assustador, incluindo a decoração inóspita, típica de meados do século 20, de suas salas de trabalho, espaços para fumantes e salas de interrogatório.

Emma se encarregou do jantar e escolheu um restaurante coreano popular chamado Kimchi Princess, um salão cavernoso aquecido por grafites, música em volume alto e iluminação que transformava tudo em um vermelho sensual, tom de bordel.

Experimentei ficar num hotel mais contemporâneo, o 25hours Hotel, no complexo Bikini-Haus, na zona oeste de Berlim. Os quartos parecem lofts de SoHo, com pisos com aparência de concreto, camas de estilo futon, uma bike presa à parede e um chuveiro com box de vidro no meio do quarto.

Emma me levou a cafés, lojas vintage onde as roupas são vendidas por quilo e ao Sing Blackbird, misto de café vegano e butique descolado que vende saias máxi de camurça dos anos 1970 e smoothies para fazer detox. Devoramos bagels e “shakshuka” na Mogg & Melzer, uma delicatessen fina num complexo de galeria e restaurante que ocupa uma antiga escola judaica para meninas, construída em 1930.

O único lugar onde fomos recebidas com frieza foi numa galeria de arte no edifício Sammlung Berlin, que funciona como linha do tempo de concreto da história da cidade: foi construído em 1942, sob ordem de Hitler, para servir de bunker. Em 1945, foi usado como prisão pelo Exército Vermelho. Na era da Stasi, tornou-se um armazém de frutas importadas de Cuba. E, depois da queda do Muro, virou um espaço notoriamente desvairado de música tecno-pop e clube de sexo S&M.

Hoje, o edifício é propriedade de Christian e Karen Boros, cuja coleção de arte contemporânea é aberta a visitantes, com hora marcada e mediante pagamento de 12 euros, mas com ambivalência evidente.

A primeira instalação é uma sala cheia de telonas pretas curvas posicionadas em volta de alto-falantes que amplificam o zunir das luzes fluorescentes. Perguntei à nosso guia por que o nome do artista não estava visível. Ela me respondeu, em tom de quem tinha dó de minha ignorância, “é uma escolha estética”. “Pelo simples fato de perguntar, você já foi reprovada”, Emma sussurrou.

Em outros lugares, as pessoas se mostravam ansiosas para serem gentis.

Berlim, cidade que nunca foi como qualquer outra, se esforça para ser normal.

Quanto mais turistas a visitam e estrangeiros a transformam em seu lar, mais ela se torna simplesmente mais uma cidade europeia agitada, e não apenas um caldeirão reconstituído de tragédias.

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