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Dutee Chand, campeã indiana sub-18 dos 100 metros rasos, está recorrendo da proibição de competir como mulher | graham crouch PARA The New York Times
Dutee Chand, campeã indiana sub-18 dos 100 metros rasos, está recorrendo da proibição de competir como mulher| Foto: graham crouch PARA The New York Times

Dutee Chand adora seus longos cabelos escuros, normalmente presos num rabo de cavalo, e os bíceps tonificados que ela gosta de exibir com camisetas regatas. Ela acredita que o corpo em que nasceu a torna a mulher que é hoje, aos 18 anos.

Mas, em meados deste ano, Chand, campeã indiana dos 100 metros rasos na categoria até 18 anos, foi barrada em uma competição feminina. Ela tem uma condição denominada hiperandrogenismo, e o seu corpo produz níveis tão elevados de testosterona que a colocam na faixa normal masculina, aos olhos do atletismo internacional.

Cumprindo uma norma da Federação Internacional das Associações de Atletismo, o órgão responsável pelas corridas, a Federação de Atletismo da Índia só permitirá que Chand compita se reduzir seus níveis de testosterona abaixo da faixa masculina. Ela pode fazer isso com medicamentos ou cirurgia. Sua resposta? "É errado ter de mudar o corpo para participar de esportes. "Não vou mudar por causa de ninguém."

No mês passado ela entrou com um recurso no Tribunal Arbitral do Esporte, na Suíça. "É como em algumas sociedades. Costumavam cortar a mão de pessoas que roubavam", disse Chand sobre a ideia de alterar medicamente o seu corpo. "Sinto que esse é o mesmo tipo de norma primitiva, antiética. Vai longe demais."

A situação de Chand pôs em evidência uma das questões que causam mais perplexidade nos esportes e na sociedade: que não há nenhum método incontestável para estabelecer uma linha entre masculino e feminino. Entidades olímpicas decidiram fixar um limite para testosterona, porque é sabido que ela aumenta a força e a massa muscular, ajudando o corpo a se recuperar dos treinos.

"Nós arranjamos uma solução imperfeita, mas não existe uma forma fácil de contornar essa questão", disse Eric Vilain, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que contribuiu para a definição da política do Comitê Olímpico Internacional. "A outra solução é a mistura dos gêneros nas competições, e isso não seria justo para as mulheres."

Um estudo recente sobre mulheres competindo no Mundial de Atletismo de 2011 constatou que 7 em cada 1.000 tinham hiperandrogenismo, e algumas mesclavam características anatômicas femininas e masculinas. Isso é 140 vezes mais do que o estimado na população em geral.

Durante a fase de apelação, Chand permanecerá num limbo, temendo que seu sonho de infância seja inviabilizado de vez.

Filha de tecelões que ganham cerca de US$ 8 por semana, Chand tinha uns 4 anos quando começou a acompanhar um dos seus seis irmãos nos treinos. Aos 10, treinava em um programa nacional, enviando dinheiro de premiações para casa. Com essa ajuda seus pais se mudaram de um casebre de barro de dois cômodos para uma casa de quatro cômodos.

Ela aspirava a disputar Olimpíadas e havia sido selecionada para os Jogos da Commonwealth, em julho, quando foi retirada da equipe. Aparentemente, um dirigente ou competidor do Campeonato Asiático Junior de Atletismo, que aconteceu em junho e no qual Chand ganhou duas medalhas de ouro, solicitou que ela fosse submetida a um exame. Os médicos a cutucaram e apalparam, colheram seu sangue e a submeteram a um exame de ressonância magnética. Depois que o nome de Chand foi removido da lista da delegação indiana, Payoshni Mitra, ativista que pesquisa a questão dos gêneros no esporte, localizou Chand e explicou o que estava acontecendo com ela. Ela pediu a Chand que não consentisse de imediato com os medicamentos ou a cirurgia, e sugeriu que ela entrasse com um recurso sobre o seu caso.

Os simpatizantes de Chand convenceram a Autoridade Esportiva da Índia a apoiar o recurso dela. Mais importante ainda, eles provavelmente pouparam Chand de uma dor incalculável.

Outras não tiveram tanta sorte. Quatro atletas mulheres nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, foram denunciadas e tiveram o diagnóstico comprovado de que tinham características anatômicas mistas, masculinas e femininas. Elas acabaram fazendo cirurgia para remover testículos. Mas um estudo publicado no ano passado mostrou que essas atletas também se submeteram a procedimentos médicos que nada tinham a ver com a diminuição dos níveis de testosterona para fins esportivos: a redução do tamanho dos seus clitóris, cirurgias plásticas feminilizantes e terapia de reposição de estrógeno. "Não sabemos o que disseram a essas mulheres", afirmou Katrina Karkazis, pesquisadora de bioética na Universidade Stanford, na Califórnia. Ela acrescentou: "Pelo menos desta vez nós chegamos até a atleta antes que fosse feita qualquer intervenção, e poupamos uma pessoa dessa mentalidade colonial".

Chand disse que, se perder o recurso, tentará a carreira de treinadora. Mas ela ainda não desistiu. Recentemente, ela assistiu ao documentário obre Caster Semenya, uma corredora sul-africana que foi banida e readmitida depois de ser forçada a se submeter a um humilhante teste de gênero em 2009. Chand foi tomada por emoções. "Veja, não estou só", disse ela.

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