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“Você é alguém que, por baixo dos cabelos brancos, tem um fichário de informações valiosas” | Alison Cohen Rosa para The New York Times
“Você é alguém que, por baixo dos cabelos brancos, tem um fichário de informações valiosas”| Foto: Alison Cohen Rosa para The New York Times

Não é fácil achar o Oscar dado a Frances McDormand por "Fargo". Ele fica enfiado num canto de uma estante que ocupa toda uma parede, no saguão da casa onde ela vive, em Manhattan —um brilho dourado em meio a centenas de livros. Porém, mais estranho que seu esconderijo é o seu acessório. Ela afivelou um pequeno par de óculos escuros à venerável cabeça da estatueta.

Com ou sem óculos escuros, esse Oscar serve de metáfora para a distância brincalhona que McDormand mantém em relação ao setor audiovisual. Ela se irrita com as convenções de Hollywood e desafia suas normas. Seu relacionamento com o troféu ilustra isso, assim como o seu mais recente projeto, "Olive Kitteridge", minissérie em quatro capítulos exibida pela HBO.

Adaptada de uma coletânea de contos que deu um Pulitzer à escritora Elizabeth Strout, "Olive" se passa numa inexpressiva cidade do Maine, narrando várias décadas da vida da personagem-título —uma professora de matemática largada e ranzinza— e do seu tímido marido. O casal é interpretado por McDormand e Richard Jenkins.

A série gira em torno das queixas cotidianas, das concessões que se acumulam e dos arrependimentos que se amontoam à medida que os anos se arrastam.

McDormand colocou todo o projeto de pé. Ela adquiriu há mais de cinco anos os direitos sobre o livro e foi uma das principais produtoras da série.

Trata-se também de uma declaração de intenções. Ela não vai mais esperar que os outros lhe tragam bons papéis. E não vai imitar outras atrizes da sua faixa etária —está com 57 anos— que tentam se mostrar sob as luzes mais lisonjeiras possíveis.

"É um ato subversivo", afirmou. Ela quer que a minissérie seja uma vitrine para mostrar que atores mais velhos podem interpretar pessoas mais velhas com problemas da maturidade. "Olive" é a resposta a uma indústria e uma sociedade que ela considera perversa na sua fixação pela juventude.

"Estamos em alerta vermelho no que diz respeito a como nos percebemos como espécie", disse. "Não há nenhum desejo de ser adulto. A idade adulta não é um objetivo. Alguma coisa aconteceu culturalmente: ninguém deve ter mais de 45 anos —no vestir, na aparência, no comportamento. Todo mundo se veste como adolescente. Todo mundo está preocupado em ter um rosto liso."

Bom, nem todo mundo.

Parecer velho, segundo ela, deveria ser uma expressão de orgulho das experiências acumuladas e dos conhecimentos adquiridos, um sinal triunfal de que "você é alguém que, por baixo dos cabelos brancos, tem um fichário de informações valiosas".

A atriz aprendeu no começo da carreira a não ligar muito para a aparência. "Costumavam me dizer que eu não era o máximo", contou. "‘Ela não é bonita o suficiente, não é alta o suficiente, não é magra o suficiente, não é gorda o suficiente.’ Eu pensei: ‘Tudo bem, algum dia vocês vão estar atrás de alguém que não é, não é, não é, não é, e lá estarei eu."

Ela se especializou em personagens idiossincráticos: a delegada grávida e desengonçada de "Fargo" (1996), dos irmãos Coen; a mãe mandona de "Quase Famosos" (2000). Graças a isso, o envelhecimento foi menos complicado para ela —e graças também ao seu casamento com Joel Coen, a quem ela conheceu quando ele e seu irmão, Ethan, a colocaram no primeiro filme deles (e dela), o thriller "Gosto de Sangue" (1984).

A personagem Olive é descrita nos contos entrelaçados de Strout como uma mulher grande, simplória e desajeitada. E é definida por aquilo que não faz: demonstrar suas emoções e dizer mais do que uma ou duas frases por vez.

McDormand deu à sua Olive uma peculiaridade recorrente que a versão de Strout não tinha. Isso surpreendeu a autora ao assistir a uma cena em que Olive vai com relutância ao casamento do filho.

"Fran andava e arrotava, como se dissesse: ‘Vai você!’", disse Strout. "A minha Olive jamais arrotaria, mas a Olive dela arrota, e isso é fabuloso. Quem me dera ter pensado nisso. Foi incrível."

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