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Eduardo Galeano descreveu seu texto em ‘‘Veias Abertas’’ como ‘‘carregado’’ | mario ruiz/european pressphoto agency
Eduardo Galeano descreveu seu texto em ‘‘Veias Abertas’’ como ‘‘carregado’’| Foto: mario ruiz/european pressphoto agency

Por mais de 40 anos, a obra de Eduardo Galeano, "As Veias Abertas da América Latina", tem sido um texto canônico anticolonialista e antiamericano. Hugo Chávez, o presidente populista da Venezuela, até mesmo colocou uma cópia do livro nas mãos do Presidente Obama na primeira vez e que se encontraram. Mas agora, Galeano, escritor uruguaio de 73 anos, repudiou o livro, dizendo que ele não tinha qualificação para tratar do assunto e que o texto foi mal escrito.

"’Veias Abertas’ tentou ser um livro sobre economia política, mas eu ainda não tinha o treinamento necessário e tampouco o preparo", Galeano declarou recentemente em uma feira literária no Brasil, onde era homenageado pelo 43° aniversário da publicação do livro. Ele acrescentou: "Eu não conseguiria ler esse livro novamente; eu desmaiaria. Para mim, essa narrativa da esquerda tradicional é extremamente carregada, e a minha constituição física não consegue tolerá-la".

"As Veias Abertas da América Latina: Cinco Séculos de Pilhagem de um Continente" foi escrito no início dos anos 70, década em que grande parte dessa região era governada por repressivas ditaduras militares da direta apoiadas pelos Estados Unidos. Nesse desabafo de 300 páginas, Galeano argumentou que as riquezas que a princípio atraíram os colonizadores europeus, como o ouro e o açúcar, deram origem a um sistema de exploração que levou inexoravelmente à "estrutura contemporânea da pilhagem", a qual ele responsabilizou pela pobreza crônica e o subdesenvolvimento da América Latina.

O livro "Veias Abertas" já foi traduzido para mais de 12 idiomas e já vendeu mais de um milhão de cópias. No seu apogeu, a sua influência se estendeu pelo que então era chamado de terceiro mundo, inclusive pela África e Ásia, até a ascensão econômica da China, da Índia e do Brasil aparentemente enfraquecer partes da sua tese.

Nos Estados Unidos, o livro "Veias Abertas" tem sido amplamente ensinado nas universidades desde os anos 70. Contudo, a crítica inesperada de Galeano a sua própria obra deixou os acadêmicos com dúvidas sobre como lidar com o livro nas aulas.

"Se eu estivesse ensinado isso em um curso", disse Merilee Grindle, diretora do Centro David Rockefeller de Estudos da América Latina da Universidade de Harvard, "pegaria esses comentários, acrescentaria ao material e os usaria para gerar uma discussão bem mais interessante sobre como vemos e interpretamos os acontecimentos em momentos diferentes". Não está exatamente claro por que Galeano escolheu renegar o seu livro agora. Através de sua agente americana, Susan Bergholz, ele se recusou a se aprofundar na questão. Ela disse que, gradualmente, o autor foi ficando "horrorizado pela narrativa" de "Veias Abertas".

No Brasil, Galeano disse que, às vezes, a esquerda "comete erros graves" quando está no poder, o que foi entendido como uma crítica à Cuba sob o comando dos irmãos Castro e ao gerenciamento imprevisível da Venezuela sob o comando de Chávez. Entretanto, Galeano se descreveu como sendo um homem da esquerda, e chegou a elogiar os experimentos da social democracia na última década em seu próprio país, bem como no Brasil e no Chile.

"A realidade mudou muito, e eu também", ele disse, completando: "A realidade é bem mais complexa precisamente porque a condição humana é diversa. Alguns setores políticos ao meu redor achavam que tal diversidade era uma heresia. Mesmo hoje, existem alguns sobreviventes desse tipo que acham que toda diversidade é uma ameaça. Felizmente, não é". Mesmo assim, Galeano pegou muitos admiradores de surpresa, inclusive a romancista chilena, Isabel Allende, que escreveu o prefácio da edição inglesa de "Veias Abertas". Nesse prefácio, ela descreve como "devorou" o livro quando jovem e o levou em seu exílio após Pinochet tomar o poder. Em meados dos anos 90, três defensores das políticas do livre mercado – o escritor colombiano Plinio Apuleyo Mendoza, o autor exilado cubano Carlos Alberto Montaner e o jornalista e autor peruano Álvaro Vargas Llosa – responderam a Galeano com uma polêmica própria, "Guia para o Perfeito Imbecil da América Latina". Eles consideraram "Veias Abertas" como "a bíblia do imbecil". Montaner respondeu às declarações recentes de Galeano com uma publicação em um blog com o título "Galeano Se Corrige e os Imbecis Perdem a sua Bíblia".

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