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Centro cívico em construção em Kigali, Ruanda; venda de títulos trouxe capital para expandir infraestrutura de países africanos | Ben Curtis/Associated Press
Centro cívico em construção em Kigali, Ruanda; venda de títulos trouxe capital para expandir infraestrutura de países africanos| Foto: Ben Curtis/Associated Press

Cinco homens de terno estavam sentados em semicírculo diante de Maria Kiwanuka. Eram banqueiros internacionais e queriam fazer uma proposta. Kiwanuka, ministra das Finanças de Uganda, estava sentada em um tablado mais elevado, com seu vestido rosa e dourado brilhante contrastando com os ternos dos homens.

Banqueiros estão disputando o próximo negócio de dívida soberana na África, continente que antes despertava desconfiança em investidores estrangeiros devido a seus infortúnios econômicos, extrema pobreza e instabilidade política. Atualmente essas preocupações estão diminuindo, e um país subsaariano atrás do outro ingressa no mercado de dívidas públicas.

O Banco Mundial calculou que a epidemia de ebola no oeste da África poderá custar US$ 33 bilhões, o que despertou preocupações sobre as perspectivas de crescimento do continente. Todavia, o mercado de dívidas soberanas passa por um boom. Os países da África subsaariana já arrecadaram quase US$ 7 bilhões neste ano, mais que o total em 2013, segundo a empresa de pesquisas de mercado Dealogic.

As taxas de rendimento de muitos dos novos títulos de dívida pública de Gana, do Quênia e da Nigéria continuaram atraentes mesmo quando a crise com o ebola se intensificou. Isso significa que a visão do mercado sobre esses países melhorou.

A proposta à ministra Kiwanuka foi feita no escritório em Londres do Standard Bank, cuja sede fica em Johannesburgo, durante uma conferência sobre investimentos africanos. Alguns dias antes, o banco foi um dos três a administrar US$ 2 bilhões do Quênia em sua estreia no mercado de dívidas soberanas. Agora, ele quer fazer o mesmo por Uganda.

"Eu não vejo o título da dívida soberana como o final da história", disse Kiwanuka. "Ele é apenas uma ferramenta para organizarmos melhor nossa situação econômica."

Uganda poderia usar o dinheiro para usinas elétricas, linhas férreas, estradas ou projetos semelhantes. Países do continente geralmente estão usando as verbas obtidas com as vendas de títulos para melhorar a infraestrutura, reestruturar a dívida e financiar deficits.

Ruanda, por exemplo, está finalizando um centro de convenções e construindo uma nova usina hidrelétrica. O Senegal recupera estradas e a malha de energia elétrica. O Quênia expande seus portos e o sistema ferroviário e salda um empréstimo de um custo mais alto.

Os países africanos tomaram diversos tipos de empréstimos diretamente de bancos estrangeiros ao longo dos anos e emitiram títulos em seu mercado doméstico.

Porém, também são conhecidos no Ocidente por sua incapacidade de saldar dívidas devido a guerras, reviravoltas políticas e turbulências econômicas.

Tipicamente denominados em dólares, os títulos de dívidas soberanas podem ser um meio bem mais barato de angariar dinheiro do que as taxas de empréstimos locais, embora sejam mais caros do que ajuda direta ou empréstimos de grupos de ajuda a governos, que com frequência são acompanhados de exigências rígidas. Até 2006, somente a África do Sul havia emitido um título de dívida soberana. Atualmente, mais de uma dezena de países subsaarianos testaram o mercado.

"Isso mostra a abertura da África ao capital privado", comentou Kingsley Chiedu Moghalu, do Banco Central da Nigéria. "Do ponto de vista de um jovem que trabalha com fundos de investimento de alto risco em Londres, essa é uma nova fronteira."

Mas há riscos. Os países podem perder qualquer vantagem de custo se sua própria moeda enfraquecer, ao passo que os investidores podem se desinteressar por regiões.

O apelo para os investidores é claro. O rendimento da dívida subsaariana pode render mais que o triplo dos títulos do Tesouro dos EUA. Todavia, é preciso considerar os riscos envolvidos. Muitos países subsaarianos têm um histórico de instituições frágeis e corrupção, e alguns não pagaram outros tipos de dívida. A Nigéria, que tem a economia mais pujante da África, reestruturou sua dívida quatro vezes de 1986 a 2000, porém descumpriu esses acordos.

"Acho que um país é bem-sucedido nos mercados de capital internacionais não quando emitiu seu primeiro título de dívida soberana, mas quando o saldou", opinou Moritz Kraemer, da Standard & Poor’s.

Muitas instituições e pessoas, incluindo o Fundo Monetário Internacional e Joseph Stiglitz, ganhador do prêmio Nobel de Economia, recomendam cautela.

Mark Roland Thomas, economista do Banco Mundial, disse que a tendência "indica um reconhecimento genuíno do progresso feito pela África nas duas últimas décadas". Contudo, acrescentou: "Isso cria mais desafios e significa que a gestão macroeconômica se tornou mais complicada? Isso significa que economias relativamente pequenas agora estão mais expostas a condições econômicas internacionais? A resposta é sim para todas essas perguntas, e nossos clientes estão cientes disso".

Mas, pelo menos por ora, Uganda continua nos trilhos certos. "Nosso serviço da dívida ainda está abaixo de 10% de nosso Orçamento total", afirmou Kiwanuka. "E não queremos que entre em espiral."

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