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A burocracia chinesa é há muito tempo um labirinto confuso de “departamentos relevantes”, carimbos vermelhos oficiais e funcionários públicos indiferentes.

Por exemplo, para conseguir uma placa para seu carro novo, um morador da capital, Pequim, tem que passar por uma loteria em que as chances de vitória não chegam a 1%.

Depois de casadas, as mulheres muitas vezes conseguem alvarás para dar à luz, mas o documento geralmente tem validade de apenas dois anos. Mulheres solteiras não têm direito à autorização.

Para começar em um emprego novo ou se cadastrar para receber benefícios públicos, é preciso acumular uma pequena montanha de documentos.

À medida que suas fileiras crescem, a classe média chinesa —cosmopolita, conectada e ambiciosa— é cada vez mais avessa a tolerar esses obstáculos, vestígios da burocracia da época de Mao, ainda instalada.

Para muitos chineses urbanos e de alto nível de instrução, a burocracia, mais ainda que a censura e a propaganda política, é um lembrete irritante do domínio do Partido Comunista sobre suas vidas.

“O governo não está aqui para facilitar nossas vidas”, comentou a produtora de mídia Daisy Li, que tentou nove vezes obter um passaporte para sua filha, cujo pai é escocês.

“Ele criou essas regras todas para que seja mais fácil controlar o povo”, disse.

Analistas dizem que essas frustrações alimentam a insatisfação pública, num momento em que o Partido se esforça para melhorar sua imagem, combatendo a corrupção e prometendo reduzir as restrições às pequenas empresas.

O slogan criado pelo presidente Xi Jinping para reduzir a burocracia no governo é “resolva imediatamente”.

A liderança chinesa está percebendo que manter a classe média satisfeita é crucial para a sobrevivência do Partido Comunista a longo prazo.

Não são descabidos os receios em relação à turbulência social que pode ser criada pela elite urbana do país.

Ciente da exasperação crescente da população, o governo vem gradualmente aliviando algumas das restrições.

Contudo, como as modificações recentes na política nacional do filho único, tudo vem acompanhado de pilhas de papelada.

Segundo uma piada contada com frequência, a aprovação para um segundo filho leva tanto tempo para sair que os casais fazem bem em dar entrada no pedido antes de conceber, senão o bebê pode chegar antes do documento.

O especialista em política chinesa Minxin Pei, do Claremont McKenna College, na Califórnia, descreve a burocracia chinesa como um mecanismo de controle, de eficácia comprovada, que atua como “uma camada imóvel que isola o líder superior das pressões populares.”

“O sistema é projetado para permitir que os burocratas não façam nada e não sejam onerados por isso”, disse.

A teia estarrecedora de regulamentos enfurece muitos chineses. Um dos maiores alvos de seu repúdio é o “hukou”, ou cadastro familiar.

Trata-se de um sistema sufocante, algo que se assemelha a um passaporte interno, que vincula o acesso a serviços como o ensino público, a assistência médica subsidiada e as pensões ao local de nascimento dos pais de cada cidadão chinês, mesmo que ele nunca tenha vivido nesse lugar.

Criado na década de 1950 com a finalidade de limitar a migração de camponeses para as grandes cidades, o sistema do hukou tornou-se alvo de repúdio generalizado nos últimos anos.

Centenas de milhões de migrantes se radicaram nas metrópoles chinesas, e críticos dizem que o hukou os converte em cidadãos de segunda classe e os sujeita à discriminação em matéria de escolas, habitação e emprego.

Daisy Li mudou-se para Pequim com seus pais em 1981, mas seu hukou está registrado numa cidade distante. Isso significa que, sem a autorização, seu filho não terá direito de estudar nas escolas públicas da capital.

Entre os 14 documentos exigidos para a concessão da autorização, Li precisa apresentar seu certificado de hukou, comprovante de residência, diploma, contrato de trabalho, registro de casamento, o documento de identidade de seu marido, o hukou dele, um comprovante de que ela tem apenas um filho e um documento da empresa registrando o desempenho dela no trabalho e o pagamento de seus impostos.

“Que dor de cabeça”, disse Li. “A burocracia é boa para o governo, mas não para nós, chineses.”

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