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Em dezembro de 1880, o irascível poeta francês Arthur Rimbaud entrou na antiga cidade murada de Harar, na Etiópia, depois de atravessar o golfo de Áden em um dhow (barco a vela tradicional) e de percorrer a cavalo o deserto da Somália durante 20 dias.

Vários anos antes, o autor dos poemas em prosa “Uma Temporada no Inferno” e “Iluminações” havia renunciado à poesia e embarcado em peregrinações que o levariam a vários cantos da Europa, da Ásia, do Oriente Médio e, finalmente, da África.

Aos 26 anos, ele aceitou “um trabalho que consistia em receber entregas de sacas de café” para uma corretora francesa, em um canto remoto da região então conhecida como Abissínia.

Tanto naquela época como agora, Harar era uma cidade comercial, com estreitas ruas de pedra serpenteando entre muralhas de tufo e calcário e com históricos portões fortificados.

Na Cidade Velha, há mais de 180 mesquitas e santuários, alguns datados do século 10°. Feiras livres nas ruas vendem especiarias, folhas de “khat” e grãos de café.

Rimbaud, que muitos consideram um reinventor da poesia europeia, passou quase cinco anos morando em Harar, ao longo de três períodos diferentes, entre 1880 e 1891.

“Busquei as viagens para dispersar os feitiços que haviam colonizado a minha mente”, escreveu o poeta aos 19 anos em “Uma Temporada no Inferno”, coletânea alucinatória de nove poemas, publicada em 1873.

As viagens de Rimbaud foram precedidas por um dramático declínio na Europa: seu amante, o poeta francês Paul Verlaine, havia lhe dado um tiro no pulso. Viver com sua complicada mãe em Charleville, sua sufocante cidade natal nas Ardenas francesas, era intolerável para o temperamental poeta.

E “Uma Temporada...”, que mais tarde lhe traria a aclamação, havia passado praticamente despercebido ao ser lançado.

Assim, o prodígio do movimento decadentista foi parar em Harar, uma cidade a 480 km de Adis Abeba, quase um milênio mais velha que a capital etíope.

Rimbaud reconheceu em Harar uma intrigante perspectiva empresarial.

“No exílio, a vida era um palco onde obras-primas da literatura eram encenadas”, escreveu o poeta em “Iluminações”, vários anos antes de se mudar para a Etiópia. “Eu poderia compartilhar riquezas incalculáveis ​​que permanecem desconhecidas.”

Não há indícios de que Rimbaud tenha voltado a escrever poesia depois de completar 21 anos, mas ele enviou cartas sobre a vida na Etiópia à sua mãe e à sua irmã, na França.

No centro da Cidade Velha, um grande imóvel comercial foi transformado em museu, o Centro Cultural Arthur Rimbaud, dedicado ao tempo em que ele esteve em Harar. As exposições incluem autorretratos feitos pelo poeta com uma câmera que ele mandou trazer de Lyon.

“Quando ele estava aqui, era completamente outra pessoa”, disse o curador do museu, Abdunasir Abdulahi, sobrinho-neto de uma mulher que quando criança conheceu Rimbaud. “A mente dele aqui ficava em paz.”

No final da década de 1880, o outrora “enfant terrible” da cena literária parisiense estava no centro de grande parte do comércio exterior do sul da Abissínia.

A aquisição de armas que fez para o futuro imperador etíope Menelik 2° pode ter sido sua maior contribuição para a história africana moderna.

Estudiosos calculam que as armas que ele vendeu em 1887 provavelmente ajudaram o imperador a derrotar as forças invasoras italianas em 1896. A Itália então assinou um tratado reconhecendo a independência da Etiópia.

Mas, em 1891, Rimbaud precisou ir embora de Harar para buscar tratamento médico. Quando chegou à França, sua perna cancerosa teve de ser amputada.

Naquele verão, do seu quarto de hospital em Marselha ele escreveu sobre Harar. “Espero voltar... Vou viver lá para sempre.”

Em novembro de 1891, aos 37 anos, Rimbaud morreu enquanto ditava um recado a uma empresa de navegação, combinando a sua viagem de volta.

“Avisem-me quando eu puder ser levado a bordo.”

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