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O novo palácio presidencial da Turquia, construído para abrigar o ex-premiê Recep Tayyip Erdogan | Tara Todras-Whitehill/ The New York Times
O novo palácio presidencial da Turquia, construído para abrigar o ex-premiê Recep Tayyip Erdogan| Foto: Tara Todras-Whitehill/ The New York Times

Espalhando-se por cerca de 20 hectares de floresta, num terreno que já foi propriedade particular do pai fundador da Turquia, Mustafa Kemal Ataturk, o novo palácio presidencial do país tem cerca de mil quartos, um sistema de túneis subterrâneos e o que há de mais moderno em tecnologia antiespionagem. É maior do que a Casa Branca, o Kremlin e o Palácio de Buckingham. Preço divulgado: quase US$ 350 milhões.

Há também um novo avião presidencial (preço estimado: US$ 200 milhões) e um novo gabinete presidencial numa mansão da era otomana, com vista para o Bósforo —tudo isso para atender às desmedidas ambições de um homem: o presidente Recep Tayyip Erdogan.

Erdogan está no poder há mais de uma década. No passado, como primeiro-ministro, foi visto como um líder modelo no mundo muçulmano por saber conciliar fé e democracia. Agora, ele assume um papel bastante diferente. Como já acontece com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não importa qual o cargo que Erdogan ocupa: ele é o líder supremo do seu país.

Na Turquia, o presidente está hierarquicamente abaixo do primeiro-ministro. Mas, na prática, Erdogan absorveu com sua eleição para presidente, em agosto, os poderes e privilégios inerentes ao cargo de premiê. A exemplo de Putin, que também se alternou entre a Presidência e o cargo de primeiro-ministro, o fortalecimento de Erdogan acompanha um aumento nas tensões com os EUA.

No início do ano, nada disso era certeza. Ainda se recuperando das grandes manifestações antigovernamentais de meados de 2013, Erdogan e seu círculo íntimo se tornaram pivôs de um vasto escândalo de corrupção, o que levou muitos analistas a prever o fim do seu governo.

Em vez disso, ele usou os atritos com Washington e com seus inimigos políticos para consolidar o seu poder, já que ele continua cumprindo as atribuições associadas ao primeiro-ministro.

Erdogan reuniu sua base conservadora em torno de uma pauta de cunho religioso, chocando-se com a política americana para enfrentar os militantes do Estado Islâmico (EI) na vizinha Síria e, ao mesmo tempo, culpando a ingerência estrangeira pelo crescente catálogo de crises que enfrenta. À medida que os desafios da Turquia foram se ampliando —os combates na fronteira com a Síria, as relações tensas com seus aliados da Otan e a pressão sobre a economia—, a autoridade de Erdogan só se fortaleceu.

Em um recente discurso, Erdogan ofereceu uma avaliação atraente para a sua base religiosa sunita —ecoada por militantes do EI—, segundo a qual a crise no Oriente Médio deriva das ações dos britânicos e dos franceses após a Primeira Guerra Mundial e do traçado da fronteira sírio-iraquiana determinado no Acordo Sykes-Picot.

Erdogan invocou esse pacto dizendo que "cada conflito nesta região foi desenhado há um século" e sugeriu que um novo complô está em marcha. Segundo ele, "jornalistas, religiosos, escritores e terroristas" são a reencarnação de T.E. Lawrence, o diplomata e espião britânico imortalizado no filme "Lawrence da Arábia".

"É nosso dever explicar ao mundo que há Lawrences modernos que foram enganados por uma organização terrorista", afirmou.

O ex-chanceler Ahmet Davutoglu é atualmente o primeiro-ministro da Turquia. Mas Erdogan é quem fala ao telefone com o presidente dos EUA, Barack Obama, para discutir o papel da Turquia no combate ao EI.

A recusa da Turquia em ceder suas bases aos EUA para ataques aéreos ao Estado Islâmico, junto com a insistência para que a coalizão ocidental volte seus esforços contra o governo sírio de Bashar al-Assad, expôs profundas divisões entre Washington e Ancara, levando alguns analistas a questionarem a confiabilidade da Turquia como aliada.

A relação com os EUA há muito tempo é desconfortável. Em 2003, a Turquia impediu os Estados Unidos de usarem seu território para invadir o Iraque. Em 2010, os turcos enfureceram Washington ao votar contra as sanções da ONU ao Irã e por cooperarem com o Brasil na tentativa de mediar um acordo nuclear com Teerã.

No início da sua carreira, como prefeito de Istambul, Erdogan foi preso por recitar um poema islâmico em público. Em seus primeiros anos como premiê, com os militares turcos ainda na salvaguarda do caráter laico do Estado, ele reprimiu seu desejo de conferir um maior papel para a religião na vida pública, enquanto se empenhava em promover a adesão da Turquia à União Europeia —processo atualmente paralisado.

Com os militares neutralizados após uma série de sensacionais processos judiciais, ele se tornou um líder mais abertamente islâmico. Após os levantes da Primavera Árabe, a Turquia tentou assumir um papel maior nos rumos dos assuntos regionais, apoiando movimentos islâmicos como a Irmandade Muçulmana, que ganhou as eleições para governar o Egito, mas foi posteriormente derrubada, num doloroso golpe para as ambições turcas.

Erdogan consolidou parcialmente seu poder expurgando milhares de policiais, promotores e juízes que ele acreditava estarem por trás da investigação sobre corrupção. Acusou essas pessoas de serem seguidoras do pregador muçulmano Fethullah Gülen, que já foi um importante aliado de Erdogan e hoje vive autoexilado na Pensilvânia. Sua vitória sobre Gülen na subsequente disputa de poder calou uma voz islâmica moderada dentro da elite governante da Turquia.

"Para Tayyip Erdogan, como para a Irmandade Muçulmana e os movimentos islâmicos em todos os lugares, os problemas do mundo muçulmano se devem ao Ocidente", disse o acadêmico Rusen Cakir, de Istambul.

Suat Kiniklioglu, um crítico de Erdogan, disse que o discurso dele que citava o Acordo Sykes-Picot demonstra "o quanto Erdogan detesta as potências ocidentais que agem na região".

Omer Taspinar, do Instituto Brookings, de Washington, disse que "o discurso sobre Lawrence da Arábia era parte dessa cena —para mostrar como as fronteiras do Oriente Médio foram elaborados pelos imperialistas e como estamos cara a cara com uma nova agenda ocidental".

A relutância de Erdogan em assumir um papel mais destacado na coalizão liderada pelos Estados Unidos pode ser explicada em parte por essa visão arraigada de que os problemas do Oriente Médio foram causados por ações ocidentais ao longo do século passado. Some-se a isso uma certa ambiguidade entre os conservadores religiosos turcos, sua base eleitoral, a respeito da aliança com o Ocidente numa luta contra os sunitas.

O novo palácio, originalmente planejado para o primeiro-ministro, tornou-se um poderoso símbolo para muitos críticos de Erdogan. A construção prosseguiu apesar das decisões judiciais que consideravam a obra ilegal.

No início deste ano, Erdogan disse o seguinte sobre as contestações judiciais: "Se tiverem poder e coragem, venham demolir o edifício". Ninguém foi, e Erdogan e sua família em breve passarão a residir lá.

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