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“Alguns podem dizer que o que está acontecendo agora é uma tragédia, mas ainda é uma história em aberto.” |
“Alguns podem dizer que o que está acontecendo agora é uma tragédia, mas ainda é uma história em aberto.”| Foto:

A discussão começou de forma bastante decorosa. Numa recente edição do seu sarau mensal, o romancista Alaa al-Aswany exibiu "A Praça Tahrir", documentário sobre a revolução egípcia indicado ao Oscar, e abriu o debate lamentando que o filme focava apenas um punhado de personagens articulados, em vez das massas de "gente simples".

Como em quase todas as conversas aqui sobre "A Praça Tahrir", não demorou até que a briga começasse. O debate virou gritaria, espalhou-se para o corredor e finalmente sufocou qualquer discussão: Será que os generais protegeram a revolução ou sempre pretenderam esmagá-la? Os ativistas islâmicos traíram os "revolucionários" ou foram os jovens liberais que abandonaram os islamitas diante dos tanques do Exército?

Por mais pungentes que sejam as imagens do idealismo da Primavera Árabe para as plateias ocidentais, "A Praça Tahrir" costuma ser doloroso para aqueles que viveram a história, uma triste lembrança das esperanças adiadas e dos medos concretizados. O filme, realizado pela diretora egípcio-americana Jehane Noujaim e gravado enquanto ela ainda não sabia como a história iria terminar, acompanha alguns jovens que tentam salvar sua revolução de forças maiores: os militares e a Irmandade Muçulmana.

Aparentemente, todos os egípcios que viram "A Praça Tahrir" têm alguma queixa. O atual governo, apoiado pelos militares, ainda não autorizou a distribuição do documentário no Egito.

As amargas polêmicas entre os que assistiram ao filme—na internet ou em sessões privadas— formam um relato próprio sobre o colapso da eufórica unidade que havia há três anos na praça Tahrir.

O ator Khalid Abdalla ("O Caçador de Pipas"), ativista que é figura central no filme, argumentou numa entrevista que parte do valor do documentário foi eternizar um "momento de solidariedade extraordinária", numa época em que muitos egípcios estão perdendo a fé nessa possibilidade.

"A conexão está lá se você quiser fazê-la, e isso, eu sinto, é o verdadeiro dom do filme." Mas, enquanto o Egito entra em outro "período negro", ele admitiu que "há momentos no filme que machucam, que doem" —como quando ele e seus amigos comentam sobre a possibilidade de um "golpe" militar ou declaram com confiança que nunca mais os generais tentarão governar o Egito.

Para os revolucionários, como Abdalla, o terceiro aniversário da revolta, em janeiro, foi quase surreal. Na mesma praça onde multidões outrora celebraram o fim da autocracia, milhares se reuniram para aplaudir o general que derrubou o primeiro presidente eleito de forma democrática no Egito, Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana.

Pelo menos 62 manifestantes foram mortos em confrontos com a tropa de choque da polícia.

Alguns dos ativistas mais proeminentes na revolta de 2011 foram para trás das grades. O governo reprimiu jornalistas e intelectuais dissidentes. E insurgentes islâmicos derrubaram um helicóptero do Exército.

Muitos apoiadores civis do golpe militar acusam "A Praça Tahrir" de prejudicar a segurança nacional ao retratar o Exército de forma pouco lisonjeira, num momento em que se trava uma luta de vida ou morte contra o "terrorismo".

Em cenas da escalada dos protestos de rua durante os meses de governo militar que se seguiram ao afastamento do presidente Hosni Mubarak, o filme mostra soldados dirigindo tanques para cima de manifestantes cristãos coptas, chutando e tirando a roupa de uma mulher que vestia a tradicional "abaya" e um lenço na cabeça e arrastando pela calçada o corpo de um manifestante ferido, até uma pilha de lixo.

Os cineastas dizem que esperam receber autorização para lançar o filme no Egito. Mas é difícil imaginar que essas imagens dos militares tenham distribuição e transmissão autorizadas por aqui.

Alguns denunciaram o filme como um complô americano.

Khaled Montaser, colunista no jornal pró-militar "El Watan", acusou o filme de "celebrar, repetir e exagerar cenas de violência dos militares".

Os islamitas acusaram os diretores de construir boa parte do filme em torno de uma teoria conspiratória liberal acerca da perfídia da Irmandade Muçulmana: que o grupo teria feito um acordo secreto com os generais para facilitar a sua própria ascensão ao poder por meio de eleições rápidas.

Mas Noujaim disse que tentou contar as histórias de indivíduos específicos, não fornecer um relato jornalístico sobre as visões de todos os lados. "Esse filme é uma espécie de carta de amor a essas ideias que foram levadas adiante no início da revolução", disse ela.

"Alguns podem dizer que o que está acontecendo agora é uma tragédia, mas ainda é uma história em aberto. Isso é uma coisa importante de se lembrar."

Colaborou Marwa Nasser

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