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Agentes funerários descarregam corpos em crematório de Monróvia, em 2014; por causa do ebola, a tradicional decoração de túmulos de parentes durante feriado foi prejudicada | Daniel Berehulak/The New York Times
Agentes funerários descarregam corpos em crematório de Monróvia, em 2014; por causa do ebola, a tradicional decoração de túmulos de parentes durante feriado foi prejudicada| Foto: Daniel Berehulak/The New York Times

Acompanhada por uma das poucas crianças ainda vivas de sua família, Finda Fallah cozinhava arroz e algumas sobras em seu pequeno apartamento.

Era a véspera do Dia da Decoração, um dos feriados mais importantes do país, quando os liberianos limpam, pintam e decoram túmulos para homenagear os parentes que se foram.

Mas, neste ano, não havia túmulos para Fallah decorar.

Boa parte da família dela morreu devido ao ebola, mas os enterros foram proibidos no país devido à natureza altamente contagiosa dos cadáveres, que passaram a ser cremados. A única sepultura que Fallah poderia visitar era a de um cunhado —cujo corpo contaminou a mãe, a irmã, o marido, dois sobrinhos e um filho de Fallah durante o funeral.

O Dia da Decoração é uma tradição adotada por escravos americanos libertos que se instalaram no começo do século 19 numa região da África Ocidental que viria a se tornar a Libéria.

Esse feriado nacional, comemorado em 11 de março, com frequência serve não só como homenagem aos mortos, mas também como uma celebração da vida.

Mas o ebola interrompeu práticas funerárias íntimas que às vezes envolvem banhar parentes mortos, trançar seus cabelos e tocar e beijar o cadáver durante o velório.

Quando a última paciente diagnosticada com ebola, a professora de inglês Beatrice Yardolo, 58, recebeu alta de uma unidade chinesa de tratamento, em 5 de março, as autoridades advertiram a população de que ainda levaria pelo menos três semanas para o país ser declarado livre da doença.

Fallah, que também contraiu o ebola, precisou cuidar de seus filhos e sobrinhos numa escola onde pessoas com suspeita de portarem o vírus eram alojadas, em condições precárias, antes de serem levadas para um dos poucos centros de tratamento. Fallah ainda tem sonhos em que seu sobrinho Tamba Nino, que morreu em um centro de tratamento, aparece e diz: “Estou com fome”.

A mulher acredita que sua sobrevivência psicológica agora depende de esquecer o passado.

Nas ruas, ela curva o pescoço e pega atalhos por becos estreitos para evitar a escola e a casa acanhada onde morava com a família. Tenta não olhar para mulheres que a façam recordar de sua mãe.

Uma ONG está pagando o aluguel de Fallah e a escola da sobrinha dela. Os sobreviventes do ebola estão agora pressionando as autoridades por mais apoio.

“Espero que o Dia da Decoração seja usado para refletir sobre a situação dos sobreviventes e as dificuldades que eles ainda enfrentam com relação ao estigma, à saúde e às finanças”, disse o médico Korlia Bonarwolo, que contraiu ebola e agora dirige uma associação de sobreviventes.

Os portões do cemitério Palm Groove, em Monróvia, estavam abertos, e lá dentro rapazes e meninos ofereciam um serviço que consistia em pintar a superfície dos túmulos com cores vivas.

Muitos parentes de vítimas do ebola temiam que fosse impossível oferecer um sepultamento digno aos mortos depois que o governo levasse os cadáveres embora. A presidente Ellen Johnson Sirleaf tornou as cremações obrigatórias, mas a medida foi revogada depois da inauguração de um cemitério considerado seguro em Disco Hill, nos arredores de Monróvia.

No auge da epidemia, em agosto, setembro e outubro do ano passado, agentes funerários vestindo trajes protetores completos apanhavam os corpos, os guardavam em sacos brancos e os colocavam nas caçambas de caminhonetes, as quais viajavam em comboios com escolta policial.

Darlington Doe, líder do grupo denominado “Equipe 1 de Sepultamento Seguro e Digno” —anteriormente designado “Equipe de Gerenciamento de Cadáveres”—, lembra-se da época em que cada uma das 12 equipes recolhia até 20 corpos por dia, levando vários deles para cremações coletivas.

“A cremação era um tabu na Libéria. As comunidades relutavam”, contou ele.

Dos mais de 4.100 liberianos que morreram na epidemia, 3.000 foram cremados. Seus ossos e cinzas muitas vezes eram misturados em barris, apesar das garantias do governo de que os restos seriam tratados com cuidado.

As cinzas foram levadas neste mês para Disco Hill. Pouco a pouco, familiares começaram a chegar por lá com coroas de flores autênticas ou de plástico.

Sobreviventes que perderam parentes, mas não têm nenhuma sepultura para visitar, choravam e colocavam coroas de flores junto às portas de ferro preto da cabana de concreto que abriga os 16 barris com cinzas. O galpão, trancado, foi pintado de branco e enfeitado com fitas vermelhas.

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