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Dan Price leva seus funcionários para reunião improvisada em parque; aumento oferecido pela empresa não agradou a todos | Matthew Ryan Williams /The New York Times
Dan Price leva seus funcionários para reunião improvisada em parque; aumento oferecido pela empresa não agradou a todos| Foto: Matthew Ryan Williams /The New York Times

Há momentos em que Dan Price tem a sensação de que tropeçou em uma bandeira no meio da rua e de repente se viu à frente de uma passeata.

Há três meses, Price, 31, anunciou a adoção de um salário mínimo de US$ 70 mil por ano para os 120 funcionários da sua empresa, a Gravity Payments, de Seattle, que se dedica a processar pagamentos com cartões de crédito. Para isso, reduziria a sua própria renda, da ordem de US$ 1 milhão.

A ideia surgiu quando uma amiga comentou sobre a dificuldade de pagar o aluguel e o financiamento educacional com um salário de US$ 40 mil por ano. Ele percebeu que vários de seus funcionários ganhavam isso ou menos.

“Quero lutar pela ideia de que quem é inteligente, trabalhador e faz um bom serviço tem o direito de viver um estilo de vida de classe média”, afirmou.

Quase da noite para o dia, a decisão de um pequeno empresário se tornou um golpe contra a disparidade de renda. A medida chamou a atenção no mundo todo.

Programas de TV fazem fila para entrevistar Price. Milhares de pessoas lhe enviaram seus currículos. Ele foi chamado de “líder do pensamento”. Professores de administração de Harvard viajaram para estudar o seu caso. Solteiras pediram para sair com ele.

Despertar tanta atenção foi algo emocionante, mas também acarretou desgaste e perturbação.

Simpáticos ao anúncio de Price, dezenas de novos clientes contrataram seus serviços, mas essas contas só vão começar a render dentro de pelo menos um ano.

Enquanto isso, outros clientes, consternados com o que encararam como uma declaração política, deixaram de trabalhar com a Gravity. Outros ainda, antecipando um aumento das tarifas, pularam fora.

Alguns amigos e colegas dentro da coesa rede empreendedora de Seattle se ressentiram da decisão de Price, que os fez parecer mesquinhos perante os seus respectivos empregados. Dois dos funcionários mais valorizados de Price pediram demissão, em parte por considerarem injusto duplicar o pagamento de alguns recém-contratados, enquanto os veteranos da empresa receberam pouco ou nenhum aumento.

Então, menos de duas semanas após o anúncio, Lucas Price, irmão e sócio de Dan, moveu uma ação judicial que ameaça a própria sobrevivência da Gravity.

Lucas exige que Dan compre a sua participação de 30% na empresa, por uma quantia não revelada. Ele citou questões supostamente anteriores ao aumento salarial geral.

Além de fornecer aparelhos e softwares usados no varejo para vendas com cartão, a Gravity se encarrega da transferência rápida e segura do dinheiro entre comprador, banco e comerciante. A empresa processou no ano passado US$ 6,5 bilhões em vendas de seus 12 mil clientes, a maioria pequenas e médias empresas.

Price começou a atrair clientes há mais de 11 anos no mercado Pike Place, no centro de Seattle. Na época, o então aluno da Universidade Pacific Seattle, uma pequena faculdade cristã, ia de quiosque em quiosque cumprimentando os vendedores e anotando telefones. Cerca de 70% dos varejistas que trabalham nesse mercado quase centenário usam a Gravity para processar seus pagamentos com cartão, segundo Price.

Na barraca Pure Food Fish, Solly Amon, 86, disse que não se incomodou com a nova política salarial de Price. “Ele cuida dos negócios dele, e eu cuido do meu.”

Brian Canlis, dono de um restaurante, disse que tem apreço por Price, mas que ficou desconcertado com as ações dele. Canlis já está receoso quanto às consequências do novo salário mínimo de Seattle, que subiu em abril para US$ 11 por hora e dentro de cinco anos deve chegar a US$ 15 por hora para pequenas empresas.

Porém, qualquer plano que tiver o potencial, como diz Price, de “incendiar o mundo” deixará algumas pessoas horrorizadas. Segundo ele, outras empresas deveriam seguir o seu exemplo, entre outras razões, para evitar tanta regulamentação governamental.

Leah Brajcich, supervisora de vendas na Gravity, recebeu queixas de vários clientes que acusaram seu chefe de ser comunista ou socialista. Alguns receavam que o custo do serviço fosse subir ou que a qualidade fosse decair. “Qual é o incentivo deles para se apressarem se você lhes paga tanto?”, perguntou um cliente a Brajcich.

Price não se inspira em Karl Marx, e sim em Russell Conwell, pastor batista e fundador da Universidade Temple, que fundiu capitalismo e cristianismo em seu discurso “Acres de diamantes”. “Ganhar dinheiro honestamente é pregar o Evangelho”, exortava Conwell. Ficar rico “é nosso dever como cristãos e tementes a Deus”.

Price costumava ouvir uma gravação desse discurso em fita cassete quando era menino na zona rural de Idaho. Ele foi educado em casa até os 12 anos, e nesse período aprendeu a aceitar a Bíblia como verdade literal —embora hoje se diga menos religioso.

Sua motivação para o sucesso e seu aguerrido compromisso de ajudar pequenas empresas e superar padrões fez com que outros idealistas se aglutinassem em torno dele. Alguns até tiraram licenças para trabalhar na Gravity.

Maisey McMaster foi um desses discípulos. Hoje com 26 anos, ela entrou na empresa há cinco anos e, após muitas horas extras, chegou a gerente financeira. Ela ajudou Price a calcular se a empresa teria condições de elevar progressivamente todos os salários até US$ 70 mil ao longo de três anos e inicialmente se deixou levar pelo entusiasmo.

Porém, quanto mais ela pensava nisso, mais se incomodava com alguns detalhes. “Ele deu aumentos para as pessoas menos qualificadas e menos comprometidas com suas tarefas. Quem assumia a maior parte do trabalho não recebeu um aumento tão grande”, disse.

Dias depois do anúncio, ela decidiu conversar com Price. “Ele me tratou como se eu estivesse sendo egoísta e só pensando em mim”, afirmou. “Fiquei magoada. Eu estava falando não só de mim, mas de todos na minha posição.” Ela pediu demissão.

Price, que exaltou o talento de McMaster, disse que ela não está errada. “Não há maneira perfeita de fazer isso, e não há maneira de lidar com questões trabalhistas complexas sem nenhum lado negativo ou contrapartida”, disse. “Apresentei a melhor solução que pude.”

Ao menos por enquanto, Price sem dúvida fez uma diferença imediata para a vida de muitos dos seus funcionários.

José Garcia, 30, que supervisiona uma equipe de equipamentos, pôde se mudar para uma casa dentro da cidade e trocou os surrados pneus do seu carro. Cody Boorman, 22, que trabalha de casa, no leste do Estado de Washington, lidando com operações, disse que ele e sua mulher finalmente se sentiram seguros para ter filhos.

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