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Na França, até 70% das pessoas que trabalham em empresas virtuais, como Sabine de Buyzer, à esquerda, encontram empregos reais | Granier-Deferre,Capucine/ The New York Times
Na França, até 70% das pessoas que trabalham em empresas virtuais, como Sabine de Buyzer, à esquerda, encontram empregos reais| Foto: Granier-Deferre,Capucine/ The New York Times

Às 9h30 de um dia útil, os telefones da Candelia, empresa de móveis de escritório com sede em Lille (França), tocavam constantemente, recebendo pedidos de clientes de todo o país, além da Suíça e da Alemanha.

Doze funcionários processavam as vendas, tratavam com fornecedores e organizavam o transporte de mesas e cadeiras.

Sabine de Buyzer vasculhou linhas de cifras em seu computador. A Candelia estava tendo bons resultados. “Precisamos ter lucros”, disse. “Todo mundo está se esforçando ao máximo para levar a empresa adiante.”

Era um comentário que qualquer chefe gostaria de ouvir —mas, no caso da Candelia, o negócio inteiro é falso. Os clientes e fornecedores da Candelia, também. Nem mesmo o banco que concede empréstimos à firma é real.

Existem milhares de outras empresas falsas como essa espalhadas pela Europa. Elas integram uma complexa rede de formação de profissionais que funciona como um universo econômico paralelo. Durante anos, o objetivo foi dar formação a estudantes e profissionais desempregados interessados em fazer a transição para setores diferentes.

Agora, esses espaços estão sendo usados para combater o alarmante aumento do desemprego de longo prazo, um dos problemas mais urgentes da Europa.

De Buyzer perdeu seu emprego de secretária dois anos atrás e desde então não conseguiu encontrar trabalho fixo. Porém, desde janeiro, ela chega diariamente às 9h no pequeno escritório em um bairro de baixo padrão de Lille, cidade cuja taxa de desemprego é uma das mais altas do país.

Embora não receba salário, De Buyzer, 41, gosta da rotina do trabalho. Sua esperança é que o treinamento na Candelia acabe levando a um emprego real.

“Está sendo muito difícil encontrar emprego”, disse a ex-secretária, que, como a maioria dos colegas, recebe salário-desemprego. “É duro quando você procura há muito tempo e não encontra nada. É deprimente. Tudo o que eu quero é encontrar trabalho.”

Cinco anos depois de a Europa ter mergulhado em crise, há sinais de que uma recuperação pode finalmente estar deitando raízes. Mas o desemprego de longo prazo —o tipo que atinge Sabine de Buyzer e quase 10 milhões de outras pessoas na zona do euro— converteu-se em uma realidade determinante.

No ano passado, nada menos que 52,6% dos desempregados na zona do euro estavam sem trabalho há um ano ou mais —o índice mais alto já registrado, segundo a agência de estatísticas Eurostat.

“Temos uma parte importante da população que não está integrada. Ela não vai aumentar seu consumo, e isso enfraquece a recuperação”, comentou Paul de Grauwe, da London School of Economics. Quando muitas pessoas passam longos períodos desempregadas, “também o otimismo é enfraquecido, e isso prejudica a retomada econômica.”

O conceito de empresas virtuais, também conhecidas como empresas de prática, tem sua origem na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, quando grande número de pessoas precisaram de retreinamento profissional em novas capacidades.

Criadas com a finalidade de complementar o treinamento vocacional, os centros se alastraram rapidamente nas duas últimas décadas. Hoje há cerca de 5.000 firmas de prática em funcionamento na Europa continental, apoiadas por recursos governamentais, e existem pelo menos 2.500 outras em outras partes do mundo.

Doze novas empresas desse tipo surgiram desde 2013 na França, disse Pierre Troton, da Euro Ent’Ent, que comanda a rede nacional de 110 empresas virtuais.

Nas empresas, os funcionários fazem uma rotação, trabalhando nos departamentos salarial, de contabilidade e outros. Eles recebem salários virtuais para gastar na economia de faz de conta.

Nesses espaços, ocorrem até greves de funcionários —as greves são uma ocorrência comum na França.

Recentemente, os funcionários da Axisco, centro virtual de processamento de pagamentos situado na região de Val d’Oise, fizeram um falso protesto, com slogans e banners, para ensinar direitos trabalhistas e treinar membros da equipe de recursos humanos a acalmar as tensões.

“Os produtos e o dinheiro são falsos, mas você liga para uma empresa virtual na Suíça e uma pessoa atende o telefone”, disse Helene Dereuddre, 19, que fazia formação administrativa na Candelia. “As pessoas veem que são capazes de aprender e trabalhar.”

Na Candelia, Dereuddre passou uma semana compilando um catálogo de móveis à venda com desconto e um folheto de liquidações da primavera, para acelerar a venda de estoques cujas vendas estavam fracas. Para isso, estudou os preços do mercado real.

Várias das firmas entraram em concordata virtual quando deixaram de apresentar lucros. Quando isso aconteceu, os funcionários tomaram as medidas necessárias para fechar as empresas. E aprenderam a abrir uma empresa nova, pedindo empréstimos a um banco de faz de conta.

Segundo Troton, entre 60% e 70% das pessoas que passaram pelas empresas de prática francesas encontram empregos reais.

Esses empregos são, em sua maioria, mal pagos e de curta duração —alguns duram menos de seis meses.

Hoje, segundo a Eurostat, mais de metade de todos os empregos novos na União Europeia são com contratos temporários.

Equipado com diplomas universitários em literatura e arte, Bryan Scoth, 23, passou sete meses procurando emprego. Depois de fazer uma formação na Candelia, conseguiu um contrato de um ano como administrador em uma agência para desempregados em Lille. Embora o cargo não seja o que ele procurava, depois de várias rejeições, foi uma vitória.

“Consegui tirar o pé da lama”, disse Scoth.

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