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Para um vídeo de seu desfile do outono de 2014, a Edun se baseou unicamente em imagens capturadas no iPhone 5. Ninguém achou estranho | Phil Knott
Para um vídeo de seu desfile do outono de 2014, a Edun se baseou unicamente em imagens capturadas no iPhone 5. Ninguém achou estranho| Foto: Phil Knott

Na exposição de Dries Van Noten no Musée des Arts Décoratifs, em Paris, um vídeo reúne sequências de 20 anos de seus desfiles. Num passeio pela mostra, há pouco tempo, Van Noten assentiu enquanto passavam momentos memoráveis: modelos masculinos pedalando bicicletas, mulheres perseguindo uma enorme mesa de jantar. Mas o que mais se destacou foram os pontos fantasmagóricos de luz iluminando os rostos do público nos desfiles mais recentes.

Conforme disse Van Noten, eram smartphones.

Os fotógrafos profissionais hoje representam apenas uma fração daqueles tentando ansiosamente documentar cada roupa e acessório. Praticamente todas as pessoas assistindo ao desfile chegam com celular em mãos e conta do Instagram preparada.

As câmeras de smartphones são tão comuns, contou Danielle Sherman, diretora de criação da Edun, que quando ela contratou um diretor e uma frota de 20 iPhone 5 emprestados para criar um vídeo de seu desfile de outono de 2014, quase ninguém se surpreendeu. "Nada foi dito ou questionado, nem mesmo percebido", disse ela.

Isso é a moda na era do Instagram, um tempo inebriante onde a mídia digital está mudando a forma como as roupas são apresentadas – e até mesmo a forma como elas são desenhadas. Enquanto desfiles são calibrados como experiências socialmente compartilhadas, e a própria moda é reconfigurada para chamar a atenção numa tela bidimensional, alguns céticos questionam o que está se perdendo conforme a moda se torna combustível para a usina digital.

As mudanças provocadas pela tela plana trazem potenciais desvantagens. Embora diversos estilistas mencionem a capacidade do Instagram de capturar uma peça em mais ângulos do que antes, os detalhes de corte e construção podem desaparecer quando reduzidos a duas dimensões. Desfiles emocionantes quando ao vivo podem perder a graça nas telas. A coleção de outono de Junya Watanabe, toda em preto (notoriamente difícil de fotografar), foi composta de peças de vários tecidos costurados juntos para criar uma colcha de retalhos. Na tela, as nuances muitas vezes não aparecem.

A alta costura, dependendo de trabalho manual de última hora, pode sofrer ainda mais. Raf Simons, da Dior, reclamou: "As pessoas não conseguem ver o que é a alta costura numa tela de computador".

O estilista Alexander Wang declarou: "A forma como tiramos fotos, a forma como apresentamos e a forma como fazemos as roupas e as desenhamos mudou".

A mídia digital também mudou a forma como a moda é relatada, consumida e compartilhada. Jornais e sites especializados, que antes dominavam a divulgação e cobertura de coleções, tiveram seu território invadido por indivíduos. "Hoje eu vejo os desfiles no Instagram", afirmou Eva Chen, editora-chefe da "Lucky", uma revista de estilo.

"Em certo sentido, cada pessoa na plateia é seu próprio meio de comunicação", comparou Keith Baptista da Prodject, agência criativa que produz desfiles para clientes como Wang, Giorgio Armani e Ralph Lauren.

Criar uma experiência única – e compartilhável – para os espectadores já calejados tornou-se parte do trabalho de um estilista.

Poucos desfiles podem competir com a teatralidade exagerada da Chanel. Mas a empresa definiu um padrão ainda mais alto para si mesma em fevereiro, quando erigiu um supermercado abastecido com 100 mil produtos Chanel personalizados.

Antes do desfile, os espectadores caminharam pelos corredores, tirando selfies no supermercado antes das modelos entrarem na passarela empurrando carrinhos de compras. O fervor foi tão grande que a coleção em si acabou ofuscada.

Não são apenas as marcas mais ricas que pensam grande. Wang conquistou uma reputação para espetáculos amigáveis às redes sociais. Em fevereiro, seu desfile terminou com modelos de visual robótico girando numa plataforma, enquanto explosões de calor mudavam as cores de suas roupas termossensíveis – um momento feito sob medida para o Instagram. "tentamos pensar nas fotos que vão aparecer online", garantiu ele.

A atenção hoje voltada ao digital vai além da cenografia. Tiziana Cardini, diretora de moda da loja de departamentos La Rinascente, de Milão, percebeu a mudança.

"A moda tornou-se bidimensional", disse ela. "Ela é plana. Vejo que os estilistas, especialmente os mais jovens, estão considerando as formas e volumes de uma maneira completamente diferente; as cores também. Acho que eles colocam muito mais atenção no valor fotogênico de uma roupa".

Questionada por que, ela respondeu: "Foi a internet, definitivamente, que alterou a linguagem".

Os jovens editores também foram condicionados a enxergar a moda no plano achatado da tela digital.

"Muitos da geração mais jovem não olham pela primeira vez para as roupas com seus olhos", afirmou Ed Filipowski, chefe de relações de mídia na KCD. "Eles são treinados para ver as roupas pela primeira vez através de fotografias, em duas dimensões, e não em três".

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