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Quando Semra deixou sua filha de 13 anos de idade para seu primeiro dia de aula, teve que lutar contra as lágrimas.

Semra passou anos fazendo hora extra em seu trabalho de limpeza, economizando o suficiente para pagar por cursos extras que, ela esperava, iriam garantir um lugar para a filha em uma escola secular academicamente rigorosa. Mas depois de fazer o teste de admissão do sistema da Turquia para a atribuição de vagas nas escolas públicas, sua filha era uma dos quase 40 mil alunos automaticamente enviados para escolas religiosas estatais.

"Parecia que alguém tinha jogado um balde de água fervente na minha cabeça", disse Semra, dando apenas o primeiro nome por medo que a filha fosse repreendida na escola.

A Educação é o mais recente fronte das guerras culturais na Turquia, colocando a tradição do secularismo do país contra os costumes religiosos do presidente Recep Tayyip Erdogan e seus aliados islâmicos. As tensões ressaltam o modo em que o Partido de Desenvolvimento e Justiça de Erdogan gradualmente injetou a religião na vida pública nos últimos 12 anos, em um esforço para remodelar a sociedade turca.

Críticos e muitos pais de espírito secular dizem que o governo emperra o sistema educacional ao limitar o número de escolas seculares e abrir mais instituições religiosas. Isso é parte de um esforço, dizem, para por em prática o objetivo que Erdogan articulou dois anos atrás: o de criar "uma geração religiosa".

As escolas religiosas — chamadas imam hatip, que significa "aquele que faz o sermão na sexta-feira" — estabeleceram-se em 1923 para educar imãs. Isso foi depois que Mustafa Kemal Ataturk, fundador da Turquia moderna, aboliu as madrasas como parte de um plano revolucionário para transformar a Turquia em Estado-nação secular — e para garantir o controle do governo sobre a religião. Hoje, as escolas oferecem modernas aulas acadêmicas, estudos árabes e ensinamentos religiosos.

Há um aumento acentuado dessas escolas sob a liderança de Erdogan, ele mesmo formado em uma imam hatip. Em recente inauguração de uma delas, ele comemorou o fato de que as inscrições nessas escolas foram de 63 mil para quase um milhão apenas durante seus 12 anos no poder.

O Ministro da Educação, Nabi Avci, disse que o aumento foi resultado da demanda de famílias religiosamente conservadores que haviam sido marginalizadas antes de Erdogan chegar ao poder.

"Estas escolas foram injustamente marcadas como inimigas do Estado", disse Erdogan, referindo-se a uma lei de 1997 que fechou todas as imam hatip de ensino médio e dificultava aos graduados dessas escolas o acesso ao ensino superior.

"Provamos como esse tratamento foi injusto, e agora um dos seus alunos é o presidente deste país," acrescentou.

Alguns críticos dizem que, ao favorecer escolas religiosas, o governo dá a elas uma maior influência na política educacional.

"A comunidade das escolas imam hatip tem mais espaço para participar do diálogo de políticas de educação. Suas observações, experiências e insights ofuscam as necessidades gerais do sistema educacional, que se relaciona à saúde geral do setor da educação", disse Batuhan Aydagul da Iniciativa da Reforma Educacional, consultoria independente com sede em Istambul.

Aydagul disse que com o aumento do número de escolas imam hatip e a limitação das vagas em outras escolas, o governo oferece poucas alternativas.

Mas Fatih Demirel, membro da Associação de Alunos Imam Hatip, disse que a demanda por vagas nas escolas religiosas vem subindo. "Os pais querem que seus filhos cresçam em ambientes seguros, longe das drogas, onde possam aprender boa moral e valores", ele disse.

Islâmicos estão fazendo incursões nas escolas seculares também. Em setembro, o governo começou permitindo que meninas de 10 anos usassem lenços na cabeça durante as aulas. Recentemente, Erdogan endossou o pedido do Conselho Nacional de Educação por aulas obrigatórias de língua turca otomana — uma forma mais antiga da língua nacional que usa um tipo de escrita árabe — e aulas de "valores religiosos" que seriam ministradas a crianças de seis anos.

"Quer gostem ou não, a lingua otomana será ensinada e aprendida neste país", disse ele.

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