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Cresce o número de casamentos semi-arranjados na Índia. Manas Pant e Garima Pant | Daniel Berehulak /
Cresce o número de casamentos semi-arranjados na Índia. Manas Pant e Garima Pant| Foto: Daniel Berehulak /

Há milhares de anos, na Índia, os pais arranjam casamento para os filhos e Garima Pant, como 95 por cento das garotas de sua idade no país, tinha toda a intenção de seguir a tradição.

O pai encontrou um homem da mesma casta, bem educado, em um site de matrimônios; mostrou para a moça. E foi aí que a rebeldia começou.

“Acho que não”, sentenciou Garima, professora de 27 anos de crianças especiais, depois de ver a foto de um homem com luzes no cabelo. Ele escolheu outro pretendente. “Você está brincando?”. E outro. “Argh”.

Quando finalmente viu a foto de um rapaz de quem gostou, Garima rompeu com a tradição mais uma vez e lhe enviou um torpedo em segredo. Sua ousadia fez engatar o namoro.

Meses depois, o casal trocou alianças. Como o deles, cresce cada vez mais o número de matrimônios “semi-arranjados”, nos quais a tecnologia tem um papel crucial.

Em uma sociedade em que o casamento ainda é praticamente um contrato entre famílias, a maioria dos pais fica responsável pela seleção dos pretendentes – mas vem crescendo a porção deles, principalmente nos centros urbanos, que dá aos filhos o poder de recusar.

Os ativistas de direitos humanos comemoraram a evolução, considerando-a uma mudança importante no status das mulheres ao redor do mundo; agora esperam que as famílias das áreas rurais, mais pobres, também permitam a união com base na escolha.

A mudança está sendo, em parte, estimulada por uma dinâmica simples de mercado entre os indianos, que há tempos veem o casamento como garantia de posição social e estabilidade financeira.

Durante séculos, os pais procuravam pretendentes entre suas relações sociais – mas essas conexões, geralmente estabelecidas nos vilarejos estão acabando, já que é cada vez maior o número de famílias se mudando para as cidades; além disso, as moças, agora com educação superior, não conseguem encontrar alguém à altura nesses círculos. Com todas essas dificuldades, as famílias saem em busca de outras opções, mais amplas, inclusive nos sites de relacionamentos.

Na Índia, são mais de 1.500, que ampliam para o nível nacional as perspectivas dos pretendentes, dando aos pais milhares de opções a mais.

Os analistas dizem que o sistema só funciona porque os jovens indianos continuam excepcionalmente abertos às interferências paternas em relação aos futuros cônjuges.

“A relação pai-filho na Índia não tem nada de hostil. Nossos adolescentes não são ansiosos, aflitos, não se rebelam, nem se comportam mal para fazer birra aos pais”, conta Madhu Kishwar, famosa escritora feminista.

Apesar disso, ao permitir que a Internet interfira no formato matrimonial tradicional, os pais estão aos poucos abrindo mão do controle. No BharatMatrimony.com – que alega ajudar 50 mil pessoas a se casarem na Índia todo mês – 82 por cento dos perfis masculinos são postados pelos próprios futuros noivos e não seus pais, explica o fundador Murugavel Janakiraman. Entre as mulheres, esse número fica em 56 por cento.

“Há vinte anos, quem escolhia os pretendentes eram os pais. Agora eles agem mais como coadjuvantes; quem comanda a operação toda são os próprios noivos”, continua Janakiraman.

Mesmo com as mudanças sociais, porém, são poucos os jovens que se afastam completamente das tradições. Namorar bastante é raro. E muitos daqueles que optam por casamentos semi-arranjados dizem que não estão atrás de amor, mas sim compatibilidade – e também a sensação de controle sobre o próprio destino.

Segundo uma pesquisa, esse tipo de arranjo já corresponde a 25 por cento de todos os matrimônios na Índia; os “casamentos por amor” representam apenas cinco por cento e, nesses casos, o casal se une mesmo sem o aval dos pais.

Para as mulheres pobres das zonas rurais, porém, mesmo o conceito de um casamento semi-arranjado está fora de questão, fato que, segundo os ativistas de direitos humanos, as deixam ainda mais vulneráveis. Muitas noivas, na maioria adolescente, conhecem o marido no dia do casamento.

“O casamento é o maior risco para as meninas indianas; por ele elas param de estudar, perdem a liberdade, estão sob o controle permanente do marido e da sogra, perdem os contatos sociais, têm mais chances de morte e dez vezes mais possibilidades de se tornarem vítimas de abuso sexual que as solteiras”, descreve Joachim Theis, diretor da proteção infantil do Unicef na Índia, acrescentando que o país tem um terço das noivas crianças do mundo todo.

No fim, Garima Pant conseguiu o que queria: conhecer o futuro marido, Manas Pant, sozinha, antes de tomar uma decisão.

Depois de um encontro que durou duas horas, ela o deixou e foi para casa.

Naquela noite, Pant lhe enviou uma mensagem: “Disse ao meu pai para prosseguir com os planos; tudo bem?”.

A pergunta equivale a um pedido de casamento no Ocidente. As famílias ainda terão que se encontrar, os mapas astrais terão que ser consultados, mas nada acontece sem a aprovação de Garima.

Ela mandou sua resposta: “Sim”.

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