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 | Lisa Haney
| Foto: Lisa Haney

A maioria das pessoas de certa idade (e sabemos disso se nos enquadramos nessa definição) não passa muito de seu tempo livre relendo pesquisas sobre desempenho cognitivo e envelhecimento. Para começar, porque a história é sombria: a velocidade e a precisão da memória começam a diminuir por volta dos 25 anos de idade e não param mais. A constatação de que o cérebro se desacelera com a idade é uma das mais contundentes da psicologia.

Ao longo dos anos, alguns cientistas questionaram essa curva da senilidade. Mas esses desafios têm um viés contrário aos idosos: por exemplo, pelo fato de terem sido enviesados em favor dos jovens. Ou pelo fato de as pessoas mais velhas terem aprendido a não se importar com coisas evidentemente triviais, como testes de memória. Ou pelo fato de que a mente mais velha precisa organizar as informações de modo diferente da mente de um jovem de 22 anos.

Agora surgiu um novo tipo de contestação das evidências de declínio cognitivo, desta vez vinda de uma origem decididamente digital: a garimpagem de dados, baseada nas teorias do processamento de informações. Em artigo publicado no "Topics in Cognitive Science", pesquisadores de linguística da Universidade de Tübingen, na Alemanha, usaram modelos avançados de aprendizado para realizar buscas em enormes bancos de dados de palavras e frases.

Como as pessoas mais velhas de nível de instrução superior geralmente conhecem mais palavras que as pessoas mais jovens, o experimento simula o que um cérebro mais velho precisa fazer para localizar uma palavra. Quando os pesquisadores incorporaram essa diferença aos modelos, a maioria dos supostos "deficits" decorrentes do envelhecimento sumiu.

"O que me chocou foi que, no início do projeto, eu aceitava totalmente a ideia do declínio cognitivo relacionado à idade em adultos saudáveis", disse o principal autor do estudo, Michael Ramscar. Mas, acrescentou, as simulações "se enquadram tão bem com os dados humanos" que elas o forçaram "a aderir à ideia de que não é preciso evocar declínio algum".

Cientistas cognitivos dizem que é pouco provável que o novo estudo desdiga cem anos de pesquisas. Os neurocientistas têm alguma razão para crer que a velocidade do processamento neural diminui com os anos, assim como fazem vários reflexos. Estudos anatômicos sugerem que cérebro também sofre modificações estruturais sutis que podem afetar a memória.

Mesmo assim, é provável que o novo estudo venha somar-se ao ceticismo crescente em relação à gravidade do declínio relacionado à idade. A psicóloga Laura Carstensen, da Universidade Stanford, na Califórnia, diz que muitos estudos que compararam pessoas mais velhas e mais jovens não levaram em conta, por exemplo, os efeitos da doença de Alzheimer em fase pré-sintomática.

Carstensen e outros também descobriram que, com a idade, as pessoas vão tendo sua memória enviesada em favor de palavras e associações que tenham conotação positiva. É muito provável que esse viés se aplique quando as pessoas mais velhas fazem os chamados testes de associados pares, uma medição comum que envolve a memorização de pares aleatórios de palavras, como "avestruz" e "casa". "Dado que a maioria das pesquisas cognitivas pede aos participantes que reaja a estímulos neutros (e, em estudos emocionais, negativos), o paradigma das pesquisas tradicionais pode deixar as pessoas mais velhas em desvantagem."

A nova análise baseada na garimpagem de dados também impõe perguntas sobre muitas das medições usadas por cientistas. Ramscar e seus colegas aplicaram modelos comuns de aprendizagem a um pool estimado de palavras e frases que uma pessoa altamente instruída de 70 anos teria visto e outro pool apropriado para uma pessoa instruída de 20 anos. Segundo ele, o modelo explicou mais de 75% da diferença de pontuação entre adultos mais velhos e mais jovens em um teste de pares associados.

Ou seja: quanto maior é o acervo que você tem na cabeça, mais tempo geralmente é preciso para localizar uma palavra determinada (ou par de palavras).

Cientistas que estudam o pensamento e a memória frequentemente traçam uma distinção ampla entre inteligência "fluida" e "cristalizada". A primeira inclui a memória de curto prazo, como memorizar um número de telefone, o raciocínio analítico e a capacidade de ignorar distrações, como conversas no ambiente em volta. A segunda é formada por conhecimentos acumulados, vocabulário e perícia.

"Essencialmente, o que o grupo de Ramscar argumenta é que um aumento da inteligência cristalizada pode responder por uma diminuição da inteligência fluida", disse Zach Hambrick, psicólogo na universidade Michigan State. Em diversos experimentos, Hambrick e Timothy A. Salthouse, da Universidade da Virgínia, demonstraram que o conhecimento cristalizado aumenta rapidamente entre os 20 e os 50 anos de idade e então estaciona, ao mesmo tempo em que a inteligência fluida (como o raciocínio analítico) diminui constantemente —em mais de 50% entre os 20 e os 70 anos—, segundo alguns estudos.

O relatório de Ramscar foi uma simulação e não incluiu sujeitos testados, mas ele diz que tem vários estudos de memória com sujeitos normais encaminhados.

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