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Bruce Mackenzie e Toby Ali eram jovens bancários no fim dos anos 90 atravessando a Europa na tentativa de vender títulos de alto retorno – também conhecidos como títulos podres – para executivos-chefes que quase sempre diziam não.

"Eles desconfiavam do produto e se sentiam mais confortáveis com os bancos locais", afirmou Mackenzie, atual chefe de mercados de capitais e finanças alavancadas da Europa, Oriente Médio e África no America Merrill Lynch. Ali, atual chefe de finanças alavancadas da mesma região, acrescentou que "dizer que um título é podre sempre carregou um estigma".

Desde então, esse ceticismo desapareceu. Para muitas empresas do continente, o mercado de alto retorno dos títulos podres se tornou uma forma essencial de conseguir dinheiro, uma vez que os bancos locais emprestam cada vez menos para as empresas.

Os títulos podres passaram a compor 53 por cento do total de títulos da dívida corporativa emitidos durante o período de 12 meses que terminou em junho, ao invés dos 15 por cento registrados durante o mesmo período em 2006, de acordo com a Standard & Poor’s Capital IQ.

Bancos gregos, construtoras espanholas, madeireiras alemãs insolventes são alguns dos destaques do mercado, além de bancos europeus como o Banco Popolare, da Itália, e anjos caídos – empresas que já foram bons investimentos, mas se converteram em títulos podres – como a Fiat e a Nokia.

Investidores em busca de retornos mais altos em um momento de juros baixos ajudam a manter a chama acesa. Ao longo do mês de julho, empresa europeias em situação precária arrecadaram 131 bilhões de dólares em títulos de alto rendimento; 70 por cento mais que no mesmo período de 2013, de acordo com a Dealogic. E o mercado europeu se desenvolveu muito desde 2006, quando apenas 24,7 bilhões de dólares em acordos foram obtidos no mesmo período.

"Os EUA estavam muito à frente da Europa em termos da dependência dos mercados de capitais, ao invés da procura de financiamentos concedidos por bancos", afirmou Ray Doody, chefe de aquisição de finanças alavancadas na Europa, no Oriente Médio e na África na JPMorgan Chase. "Essa diferença está desaparecendo rapidamente".

Ainda assim, alguns investidores de mercados europeus de alto rendimento estão soando os alarmes. "Estamos vendo uma série de riscos", afirmou Kevin Corrigan, chefe de crédito no Lombard Odier, banco privado suíço que faz a gestão de 207 bilhões de dólares. E a baixa recorde dos rendimentos significa que os investidores não estão sendo pagos pelos riscos que estão correndo.

Antes da crise financeira, as empresas recorriam a empréstimos nos bancos locais, muitas vezes com taxas de juros favoráveis para pessoas jurídicas. Porém, com a quebra dos bancos e a rápida queda nos balancetes, as empresas europeias se voltaram rapidamente para os mercados de alto rendimento em busca de empréstimos.

Essa tendência coincidiu com um boom nas fusões e aquisições, liderado em parte por empresas de private equity, que venderam as empresas que haviam comprado antes da crise, e alguns dos compradores recorreram a verbas oriundas de mercados de finanças alavancadas.

Com os bancos centrais mantendo as taxas de juros baixas, investidores em busca de lucros maiores precisaram se voltar a classes de ativos mais arriscadas, como empréstimos alavancados e títulos de alto rendimento.

"Se você fosse um investidor de alto rendimento na Europa, iria se dar bem", afirmou Alberto Gallo, do Royal Bank of Scotland. "A questão é saber se as coisas continuarão desse jeito".

O mercado de alto rendimento ofereceu retornos de 130 a 150 por cento desde o início de 2009, de acordo com Markit, dependendo dos índices, afirmou Gallo.

Empresas menores que não teriam sido capazes de emitir títulos de alto rendimento começaram a entrar no jogo. A construtora espanhola Aldesa Construcciones, costumava ser 100 por cento financiada por bancos espanhóis. Porém, em março deste ano, emitiu 250 milhões de euros em títulos de alto rendimento com sete anos de duração, prometendo um retorno de 7,125 por cento. Essa foi a primeira tentativa da empresa nos mercados de capital.

"Queremos diversificar nossas fontes de financiamento porque os maiores fornecedores costumavam ser bancos espanhóis", afirmou Miguel López de Foronda, CFO da empresa. Agora 66 por cento da dívida da empresa veio dos mercados de títulos.

O clube londrino Soho House emitiu um título de 115 milhões de libras este ano, embora o faturamento da empresa seja de míseros 19 milhões de libras, sem levar em conta juros, impostos, depreciação e amortização (em geral, as empresas precisam faturar ao menos 50 milhões de libras antes de sair em busca dos mercados de ações, afirmam banqueiros).

A forte demanda abriu caminho para grandes acordos. Em abril, a Numericable, operadora francesa de TV a cabo, e seu grupo controlador, a Altice, emitiram juntas 16,7 bilhões de dólares em títulos de alto rendimento, o maior desse tipo na história, como parte de um financiamento de 23,2 bilhões de dólares para bancar a compra da SFR, subsidiária de telecomunicação da Vivendi. Apesar de serem considerados títulos podres, o acordo promete mais de 100 bilhões de dólares em juros.

"A demanda extrapolou em muito as nossas expectativas", afirmou Doody, do JPMorgan Chase, que trabalhou na transação.

Um dos medos é que os investidores busquem saídas rápidas e ninguém queira comprar. Os bancos, como resultado de regras mais rígidas, terão menos poder de compra. Com um número recorde de investidores em títulos de alto rendimento, existem menos instâncias de mercado capazes de aliviar uma possível crise.

"Os negociantes que geralmente oferecem liquidez simplesmente não podem fazer isso", afirmou Duncan Sankey, chefe de um fundo hedge com sede em Londres. "Isso poderia transformar uma saída em um caminho".

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