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Adesivo “sem caça-níqueis” é afixado em estabelecimentos que não querem as máquinas | Alessandro Grassani para The New York Times
Adesivo “sem caça-níqueis” é afixado em estabelecimentos que não querem as máquinas| Foto: Alessandro Grassani para The New York Times

Famosa por suas universidades e um célebre mosteiro renascentista, esta cidade da Lombardia, a cerca de 40 quilômetros ao sul de Milão, nos últimos anos ganhou outra distinção, mais duvidosa: ela se tornou a capital italiana dos jogos de azar.

Máquinas caça-níqueis e terminais de vídeo loteria, conhecidos como VLTs, podem ser encontrados em todos os cafés e tabacarias, postos de gasolina, mercearias e shoppings, para não falar de 13 salas dedicadas especificamente aos jogos de azar. De acordo com alguns relatos, há uma máquina caça-níqueis ou VLT para cada 104 dos 68.300 habitantes da cidade.

Os críticos culpam a concentração das máquinas pelo aumento do vício em jogos de azar – e das dívidas, falências, depressão, violência doméstica e lares desfeitos – registrados por profissionais de serviços sociais em Pavia.

No entanto, em muitos aspectos, Pavia é apenas o exemplo mais extremo da propagação dos jogos de azar em toda a Itália, que têm se disseminado desde que os legisladores tornaram a regulamentação da indústria do jogo significativamente menos rígida, há uma década.

Desde então, a Itália se tornou o maior mercado de jogos de azar na Europa e o quarto maior do mundo, de acordo com a consultoria Global Betting and Gaming, que acompanha o andamento do setor.

Agora, alguns italianos dizem já estarem fartos desse quadro. Em outubro, a Lombardia se tornou a sexta região a aprovar uma legislação destinada a coibir os jogos de azar e a ajudar os viciados. Dezenas de municípios também elaboraram medidas para limitar os jogos.

Em média, um em cada oito dólares gastos por uma família italiana vai para o jogo, quatro vezes mais do que o valor registrado há 15 anos, disse Maurizio Fiasco, sociólogo de uma comissão nacional de combate à usura. "A distinção entre o jogo e a vida se perdeu", disse ele. "Não existe um espaço separado para o jogo – ele está em toda parte."

Tentativas de interromper a utilização das máquinas colocaram os governos municipais e regionais em rota de colisão com o governo nacional, que passou a depender das receitas dos jogos de azar, arrecadando 11 bilhões de dólares no ano passado.

"O governo fica com os lucros e os territórios ficam com os problemas", disse Angelo Ciocca, um parlamentar regional da Lombardia que apoiou a recente legislação para coibir a indústria.

Autoridades dos jogos de azar dizem que uma desregulamentação significativa da indústria há uma década erradicou um vasto mercado ilegal de jogos de azar controlado pelo crime organizado. Na época, alegam eles, a Itália tinha entre 600 mil a 800 mil máquinas ilegais de vídeo pôquer competindo com o jogo controlado pelo Estado.

Atualmente, existem 380 mil máquinas caça-níqueis e 50 mil VLTs em todo o país, herdeiros legais do mercado clandestino de vídeo pôquer.

"Pode-se jogar em qualquer lugar. Tem até máquinas caça-níqueis na farmácia", disse um ex-jogador que se apresentou como Roberto e que agora aconselha outros viciados em recuperação em Pavia. "No caso dos cassinos, pelo menos a pessoa tem que viajar para chegar até lá, e acaba indo só algumas vezes por ano."

Um estudo realizado em 2012 pela Universidade de Roma estimou que 790 mil italianos estão em risco de se viciarem em jogos de azar, conforme a definição de duas escalas reconhecidas internacionalmente e que avaliam apostadores em risco, medindo, por exemplo, o risco de endividamento excessivo ou o tempo dedicado pelo apostador aos jogos de azar.

Autoridades do jogo minimizaram esses números, lembrando que menos de sete mil italianos tinham sido atendidos por programas de dependência patrocinados pelo Estado.

De todo modo, pode ser difícil convencer os milhares de donos de cafés e outros pequenos negócios a abrirem mão das máquinas e do lucro proporcionado por elas. Na Lombardia, o governo tem oferecido incentivos fiscais para tentar mudar a situação. Mas muitos proprietários de cafés têm receio de que, se retirarem as suas máquinas caça-níqueis, as pessoas passem a frequentar os bares que optarem por mantê-las.

"As pessoas costumavam jogar por paixão. Elas não se arruinavam. Agora isso se tornou uma doença", disse o dono de um café, que pediu que seu nome não fosse citado por estar em uma disputa legal com os concessionários de jogos de azar que licenciam as máquinas caça-níqueis que ele está tentando remover.

"Este costumava ser um lugar aonde as pessoas vinham para tomar café", disse. "Eu comecei a perceber que as pessoas estavam doentes", acrescentou, explicando sua decisão de tentar removê-las. "Eu fiquei assustado."

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