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Nikolaj Coster-Waldau e Lena Headey numa cena de incesto forçado em “Game of Thrones” | Neil Davidson/HBO
Nikolaj Coster-Waldau e Lena Headey numa cena de incesto forçado em “Game of Thrones”| Foto: Neil Davidson/HBO

Desde o seu princípio, "Game of Thrones" esteve cheia de brutalidade sexual. A série, sobre um sombrio mundo feudal, por diversas vezes já incluiu um rei guerreiro que possui sua noiva, criança, na noite de casamento, além do estupro coletivo de uma moça por "meia dúzia de homens berrando atrás de um curtume".

O debate sobre a violência sexual na série se tornou veemente. Em sua quarta temporada, "Game of Thrones" tem uma média superior a 14 milhões de espectadores por episódio e se tornou a série de maior audiência da HBO desde "Família Soprano".

Em um episódio recente, mulheres mantidas em cativeiro num abrigo invernal são sexualmente brutalizadas. No episódio profundamente polêmico que o precedeu, uma nobre ardilosa é forçada a ter relações sexuais com seu irmão, apesar de seus gritos de "não".

Críticos de "Game of Thrones" temem que o estupro se torne tão disseminado no drama a ponto de virar um fato rotineiro e nada chocante.

Muitos espectadores ficaram irritados com o episódio que continha o estupro da nobre Cersei Lannister por seu irmão Jaime, levando seu protesto a blogs, ao Facebook e ao Twitter.

A indignação foi estimulada por comentários do diretor desse episódio, segundo quem a relação dos personagens se tornava "consensual no final". Isso fez o público se perguntar se os produtores do programa realmente entendiam o que haviam retratado.

"Não foi isso que eu vi, e não foi isso o que muita gente viu", disse a crítica de TV Maureen Ryan, do site The Huffington Post, para quem a cena foi inequivocamente um estupro.

George R. R. Martin, autor dos romances que deram origem a "Game of Thrones", conhecidos coletivamente como "As Crônicas de Gelo e Fogo", tem mais de 31 milhões de exemplares impressos e já foi traduzido em mais de 25 idiomas, segundo a editora Bantam Books, selo da Random House.

A série da HBO é transmitida em mais de 150 países, e é o programa mais pirateado do mundo. É também, talvez, a mais popular forma de entretenimento a retratar a violência sexual com tamanha frequência, tanto nas versões impressas quanto na série de televisão.

Público se incomoda com violência sexual em série

A mais recente edição do gibi de "Game of Thrones", lançada há pouco tempo pela Dynamite Entertainment, mostra explicitamente, já na quarta página, um bárbaro se preparando para estuprar uma mulher nua depois de conquistar sua aldeia.

Em resposta a perguntas por e-mail, Martin escreveu que, como artista, tem a obrigação de dizer a verdade sobre a história e sobre a natureza humana.

"O estupro e a violência sexual são parte de todas as guerras já travadas, desde os antigos sumérios até os dias de hoje", disse o autor, 65, que mora em Santa Fe, no Estado do Novo México.

"Omiti-los de uma narrativa centrada na guerra e no poder teria sido falso e desonesto e teria prejudicado um dos temas dos livros: que os verdadeiros horrores da história humana não derivam de orcs e Senhores do Mal, mas de nós mesmos".

David Benioff e D.B. Weiss, diretores-gerais da série do canal HBO e responsáveis pelo dia a dia operacional dela, se recusaram a ser entrevistados.

Michael Lombardo, presidente de programação da HBO, disse em um e-mail que "as escolhas que nossas equipes de criação fazem se baseiam nas motivações e sensibilidades que eles acreditam que definam seus personagens".

"Apoiamos plenamente a visão e a qualidade artística do excepcional trabalho de Dan [Weiss] e David, e sentimos que essa obra fala por si mesma".

Outras séries de TV, como "Downton Abbey" e "Private Practice", já tiveram enredos sobre estupro, mas eram eventos singulares, que exploravam as repercussões.

"As melhores representações não ficam apenas no dispositivo dramático do estupro em si", disse Scott Berkowitz, presidente da Rede Nacional para o Estupro, o Abuso e o Incesto, um grupo que combate a violência sexual.

"Eles o usam para contar uma história mais profunda sobre recuperação."

Já "Game of Thrones" parece não estar fazendo isso.

"É duro ver a violência sexual sendo tratada de forma tão arrogante", disse Mariah Huehner, autora e editora de quadrinhos que tem participado do debate na internet. "É muito perturbador de ver, e simplesmente não sei se seguirei aguentando."

Quanto aos livros, leitores dizem que as descrições de estupros feitas por Martin salientam o caráter rude do seu universo, mas alguns questionam o que veem como uma dependência excessiva do recurso e um tom sensacionalista ao escrever sobre o sexo.

"A coisa do ‘’não’ significa ‘sim’’ está lá nos livros", disse a ensaísta Sady Doyle, que costuma escrever sobre "Game of Thrones". "As punições sexualizadas estão lá. Está no texto e é vital para o texto. É algo que aparece repetidamente."

Mas, acrescentou ela, "a certa altura, você fica com a sensação de que não consegue atravessar um capítulo sem esperar algo horrível —quase sempre com uma personagem feminina—, só para provar que essa é uma peça literária muito assustadora e sombria".

Martin disse que sua filosofia como escritor é mostrar, não contar, e que fazer isso exige "vívidos detalhes sensoriais".

"Quando a cena em questão é uma cena de sexo, alguns leitores acham isso intensamente desconfortável e isso é dez vezes mais verdade para cenas de violência sexual. Mas é assim que tem de ser. Certas cenas são destinadas a serem desconfortáveis, perturbadoras, difíceis de ler."

Quanto aos livros adaptados para outros meios, sequências que eram descritas obliquamente nos romances se tornaram mais explícitas, ultrajantes e problemáticas.

Martin disse que as adaptações de "Game of Thrones" para TV e quadrinhos "estão nas mãos de terceiros, que fazem suas próprias escolhas artísticas quanto a que tipo de abordagem funcionaria melhor em seus meios".

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