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Desde o castelo no alto de Montjuic é possível ver os labirintos da cidade velha que conduzem às torres da cidade nova que nasceu da imaginação de Antoni Gaudí. Lá embaixo ou no alto, Barcelona é todo um cardápio cheio de surpresas urbanas.

Mas uma "raça" nova de turistas que corre de uma atração para outra sob o sol agradável de novembro mal faz uma pausa para apreciar nada. Esses peregrinos peripatéticos podem estar no mercado de Boqueria ou no interior da obra-prima inacabada de Gaudí, a basílica da Sagrada Família, mas eles não reservam tempo para absorver as maravilhas atemporais da Catalunha. Em vez disso, olham-se através de smartphones presos na ponta de varetas finas –as chamadas "selfie sticks", a ferramenta mais recente e ofensiva no arsenal do narcisismo digital.

As varetas intrusas estão em todo lugar onde você quer estar, sendo brandidas acima de ruínas romanas ou pratos de presunto catalão, espetando pessoas que caminham pela Rambla, tudo para conseguir a melhor imagem de "eu quando estava naquele lugar". A vareta lembra o tipo de ferramenta usada por detentos para recolher lixo da beira de estradas. Ela opera com cronômetro ou com controle remoto Bluetooth. E sua finalidade é compreensível: evitar o ângulo distorcido de uma selfie feita segurando o celular na própria mão. Mas enxergar o mundo através do "selfie stick" é como esquiar no parque de neve artificial de Dubai. É algo que isola e protege o visitante ainda mais dentro de uma zona de experiência autoprojetada.

Como diz um anúncio na edição atual da revista de compras da companhia aérea Lufthansa: "Foi-se o tempo em que era preciso pedir a um desconhecido total para tirar sua foto". Claro, porque você não vai querer falar com um desconhecido, total ou não, numa terra estrangeira. Lamentavelmente, esses registradores faciais alongados são a última onda entre viajantes. "Gostemos disso ou não", diz um post recente no BuzzFeed, "todo o mundo vai carregar um selfie stick."

Todo o mundo? Já é irritante ao extremo ver as pessoas tirando fotos de sua comida, fazendo os restaurantes parecer passarelas de desfiles de moda. Vejam só este prato de couve! Não podemos simplesmente ficar quietos e comer? Foi o que suplicou a revista "The New Yorker" em sua edição recente sobre comida. Não, primeiro temos que fotografar nossa paella e postar a imagem na internet. Alguns chefs estão proibindo os selfies de comida em suas mesas. Devem estar lutando por uma causa perdida.

Quando ela encolhe o globo, torna a vida menos difícil ou possibilita acesso mais fácil ao conhecimento, a tecnologia é uma coisa maravilhosa. O smartphone mudou o mundo de maneira dramática, principalmente para melhor. Os aviões a jato abriram grandes extensões do planeta às pessoas comuns. E o selfie stick, como simples instrumento para fazer retratos melhores, é em grande medida inofensivo.

Mas quando a tecnologia modifica a própria experiência de viajar, convertendo-a de imersão e assombro em esforço para produzir resultados documentais melhores que outras pessoas, ela subverte a própria finalidade da viagem. Viajamos para refrescar nossos sentidos entorpecidos pela rotina. Viajamos pela descoberta e a reinvenção.

Faz pouco tempo um guarda florestal no Estado de Washington me contou de um grupo de adolescentes diante de árvores de 500 anos de idade nos contrafortes do monte Rainier. Segundo ele, os adolescentes não conseguiram entender realmente o que estavam vendo até que puderam filtrá-lo por seus celulares, como imagens ou definições da Wikipedia.

O chamado transtorno de déficit de natureza é um sintoma de se estar conectado a tudo, sem conseguir conectar-se com nada.

É claro não há nada de novo em tentar se fazer retratar para a posteridade no meio do Coliseu ou no alto do monte Kilimanjaro. Na Europa do século 19, nenhum rito de passagem envolvendo uma grande viagem era completo sem um retrato encomendado de um jovem cavalheiro dândi posando numa sala com uma vista magnífica.

Mas o retrato não era o propósito da viagem. Vejamos o que diz Mark Twain em "The Innocents Abroad" (Os inocentes no exterior), seu relato de uma viagem ao exterior em 1867. "Dia após dia e noite após noite, perambulamos entre as maravilhas de Roma, caindo aos pedaços; dia após dia e noite após noite nos alimentamos da poeira e dos resquícios de 25 séculos –meditamos sobre eles de dia e sonhamos com eles à noite, até às vezes parecer que nós próprios estávamos decaindo."

Twain zombou muito de seus inocentes. Mas, como mostra o trecho acima, a imersão plena, mesmo de um criador profissional de ironias, era o propósito de se transportar sua visão de mundo para absorver outra.

Felizmente, está ocorrendo uma reação contra o selfie stick. Já ouvi pessoas resmungar em várias línguas contra os grupos de turistas brandindo monopés. O desejo de dizer "abaixe essa coisa" é grande, mas ninguém quer ser visto como resmungão que resiste às inovações modernas.

Quando o escritor Tom Wolfe batizou os anos 1970 de "a década do eu", não poderia ter imaginado o que o Instagram, Facebook e Twitter fariam para ajudar todo o mundo a ser o astro de seu próprio filme na década de 2010. E talvez os turistas de hoje não sejam mais absortos neles próprios que os de qualquer outra época. Mas não é o que parece, a julgar pelo modo como divulgam suas experiências para o mundo.

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