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Miguel Gomes, um dos diretores de cinema mais famosos de Portugal, estava filmando uma cena para seu último filme em um anfiteatro a céu aberto, acima do Rio Tejo. Ele pediu para uma atriz fazer uma expressão mais belicosa. "Ela não aguenta mais; ela não consegue aguentar tanto peso", afirmou Gomes.

Esse foi o último dia de filmagens de "As 1.001 Noites" em Lisboa, um projeto com um ano de duração no qual o diretor misturou fato e ficção para examinar as dificuldades de Portugal e sua dívida pública.

Os filmes de Gomes, incluindo o aclamado "Tabu" (2012), muitas vezes exibem imagens com cara de documentário. Para "As 1.001 Noites", que será lançado no ano que vem, ele chamou jornalistas e roteiristas para pesquisarem notícias da imprensa Portuguesa e desenvolvê-las em 12 episódios ficcionais, todos narrados por uma Xerazade moderna.

"Eu pensei que deveria fazer um filme com histórias portuguesas que estão aparecendo agora", afirmou Gomes. "As 1.001 Noites" é um dos primeiros filmes a falar sobre a crise do euro, espelhando a vida de um país que lida com desemprego, emigração e um desânimo geral.

Para a estrutura do filme, Gomes se voltou às 1.001 Noites, cuja heroína conta histórias para seu novo marido, o rei, para evitar que ele a mate. Gomes, de 42 anos, afirmou que queria transcender o real e criar um tipo de farsa – uma forma mais complexa e autoconsciente de ficção. "A ideia não era retratar fielmente a realidade que estamos vivendo em meu país, mas recriá-la como ficção", afirmou. "Esse é o trabalho de Xerazade".

A crise do euro pode aparecer com menos frequência nas manchetes de hoje, mas o fardo social do aumento de impostos, do arroxo salarial e da redução dos serviços sociais feita em troca dos pacotes de ajuda internacional em 2011 ainda pode ser sentido em Portugal. Em 2012, cerca de 120.000 pessoas emigraram de Portugal, que tem uma população de 10 milhões de habitantes e uma mão de obra de 5,5 milhões, de acordo com a agência de estatísticas do país.

Para encontrar notícias que pudessem inspirar episódios do filme, os jornalistas – Maria José Oliveira, João de Almeida Dias e Rita Ferreira – passaram o pente fino nos jornais locais, criando um recorte diário para os roteiristas. "O país mudou muito em relação a 2009, ou 2010", afirmou Oliveira. "Agora existe uma pobreza silenciosa", acrescentou Dias. "A classe média praticamente desapareceu". Gomes escolheu duas dúzias de atores – homens e mulheres, jovens e velhos – para criar os personagens à medida que progredissem, afirmou Luis Urbano, um dos produtores do filme. O monólogo que estava sendo dirigido por Gomes era parte de uma cena inspirada na juíza portuguesa que começou a chorar depois de sentenciar um homem acusado no ano passado de roubar pessoas em caixas eletrônicos.

"Eu estou cansada", afirma a juíza (a atriz portuguesa Luísa Cruz) durante o filme. "Essa cadeia grotesca de estupidez, maldade e desespero está começando a testar minha competência e, acima de tudo, minha paciência". Gomes filmará a cena final ainda este mês nos arredores de Marselha, cujo governo regional ajudou a financiar "As 1.001 Noites". O filme também recebeu dinheiro do instituto português de cinema – do governo. Poré, mais da metade do dinheiro, três milhões de euros, vem de fora do país, diz Urbano. Rui Vieira Nery, diretor dos programas de língua e cultura portuguesa do Instituto Gulbenkian em Lisboa – importante instituto cultural do país –, descreveu a obra de Gomes como "muito ambígua". "Há um certo desencanto com as grandes narrativas da esquerda tradicional – a necessidade de objetivos utópicos e valores morais, de algo em que acreditar", diz. "Por outro lado, há um sentimento de derrota", e um "desencantamento combinado com a urgência de um projeto em que possamos acreditar".

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