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Arvo Pärt prefere não definir a natureza específica da religião em sua música: “Ela reflete valores que são importantes para mim” | ERIC MARINITSCH
Arvo Pärt prefere não definir a natureza específica da religião em sua música: “Ela reflete valores que são importantes para mim”| Foto: ERIC MARINITSCH

"A religião guia todos os processos de nossas vidas, sem que tenhamos consciência disso", disse recentemente o compositor estoniano Arvo Pärt, 78.

"É verdade que a religião desempenha papel muito importante em minhas composições, mas não consigo descrever como isso funciona realmente."

Pärt é cristão ortodoxo oriental praticante, fato que é mencionado com frequência, mas não aprofundado. Críticos e fãs comparam sua música austera e contemplativa aos ícones da Igreja Ortodoxa oriental, mas quase não analisam essas ligações com profundidade.

Preencher esses vazios é uma das metas do projeto Arvo Pärt, que levou o compositor aos Estados Unidos pela primeira vez em 30 anos para apresentações em Nova York e Washington.

O projeto abre uma pergunta complexa: o que significa falar tão especificamente sobre a religião de um compositor quando a espiritualidade de sua música é interpretada de modo tão amplo há tanto tempo?

"Existe um tipo de espiritualidade universalmente acessível, mas fica claro que ela tem algumas fontes específicas no contexto em que ele localiza sua própria vida de oração", disse Peter Bouteneff, professor de teologia do Seminário Teológico Ortodoxo St. Vladimir, perto de Nova York.

Perguntado sobre a religião em sua música, Pärt respondeu: "Componho música para mim mesmo, baseado em minha própria cognição. Por essa razão, ela reflete valores que são importantes para mim."

"Não encarrego minha música de discutir valores religiosos ou ortodoxos especiais", acrescentou. "Em minha música, procuro refletir os valores que podem tocar todo indivíduo, cada pessoa."

Pärt se destacou inicialmente na Estônia com "Nekrolog", obra criticada pelos soviéticos por sua linguagem baseada em 12 tons.

Em 1968, a estreia de "Credo", sua primeira composição abertamente sacra, atraiu mais atenção negativa. Não foi a música, mas o título dela que irritou as autoridades: a mensagem foi vista como ato de dissidência política.

Pärt foi censurado extraoficialmente, e sua música desapareceu das salas de concertos. Em entrevista para uma rádio no ano da estreia de "Credo", ele procurou falar publicamente de suas crenças.

Indagado sobre suas influências, respondeu: "Cristo, é claro. Porque ele resolveu sua fração perfeitamente, divinamente."

Para evitar a censura governamental, o trecho foi cortado da versão transmitida pela televisão.

Pärt caiu em quase silêncio e, em 1972, converteu-se ao cristianismo ortodoxo. Quando reemergiu, em 1976, foi com a imobilidade cristalina de "Für Alina", a primeira composição moldada por sua técnica "tintinabulante": um entremear de linhas melódicas em que uma voz desenha um acorde, enquanto a outra descreve voltas em torno dele.

Pärt estudou os textos da igreja primitiva, mergulhando no cantochão medieval e na polifonia renascentista. A música gótica pela qual ele é conhecido emergiu desse período de estudos.

Hoje, "Für Alina" e seu complemento, "Spiegel im Spiegel", representam estudos de técnica minimalista que apontam para trabalhos mais promissores.

O estilo tintinabulante chega à plenitude nos magistrais trabalhos corais de Pärt, entre os quais "Kanon Pokajanen", de 1997.

Mas trata-se de música que também cria um enigma para o ouvinte secular, que pode buscar a espiritualidade da música erudita como um todo, em vez da música do cristianismo ortodoxo.

Essas obras são discursivamente carregadas; seus momentos mais fortes correspondem à mensagem de seu credo. A precisão com que Mr. Pärt musica o texto condiz com a ênfase da teologia ortodoxa sobre a reciprocidade entre beleza e verdade.

Uma trajetória de pensamento sobre Arvo Pärt data do álbum "Tabula Rasa", de 1984. A espiritualidade abstrata e elegante desses discos ajudou a posicionar Pärt como compositor para todas as religiões. O mercado musical mediou sua religião, abrindo-a para o misticismo mais amplo.

"Algumas das coisas clássicas observadas acerca de Pärt e até expressas por ele são essas realidades humanas universais, como a relação entre sofrimento e consolação", Bouteneff comentou.

Nos últimos anos Pärt se mostrou crítico do presidente russo, Vladimir Putin, tendo dedicado sua Quarta Sinfonia, de 2008, ao opositor Mikhail Khodorkovsky.

Indagado com a crise na Ucrânia, disse: "Não pode ser chamada de qualquer coisa senão um crime. É mais que um crime."

Mas, assim como reluta em vincular religião e arte, Pärt evita uma interpretação abertamente política de sua música. "Nunca participei de arte política".

"Minhas composições nunca foram políticas. Mesmo a Sinfonia ‘Khodorkovsky’ não tem nada a ver com política. Foi composta em cima de um texto de orações."

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