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Em um episódio do seriado “Kizilelma”, sobre espionagem, um agente dos Estados Unidos tenta matar o primeiro-ministro | Ivor Prickett para The New York Times
Em um episódio do seriado “Kizilelma”, sobre espionagem, um agente dos Estados Unidos tenta matar o primeiro-ministro| Foto: Ivor Prickett para The New York Times

A imagem de Istambul como cenário urbano de intrigas é um terreno literário e cultural muito conhecido, percorrido por Graham Greene, Ian Fleming e autores de romances de espionagem contemporâneos.

Assim, em vista dos acontecimentos que dominam a atenção da elite de Istambul nos últimos tempos, Oscar Wilde talvez não tenha apenas acertado, como sido presciente quando escreveu: "A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida".

Com uma investigação de corrupção envolvendo altas autoridades, incluindo o primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan; com o primeiro-ministro constantemente atribuindo o inquérito aos Estados Unidos e Israel, e com uma vendeta entre o chefe de governo e os seguidores de um pregador recluso, Fethullah Gulen, fica claro que não faltam intrigas de teor conspiratório.

O chefe da espionagem da própria Turquia, Hakan Fidan, foi alvo de grampo quando aparentemente falava de operações sigilosas na Síria.

Jornais publicaram listas de milhares de turcos cujas conversas telefônicas foram grampeadas. E, quando os turcos querem ter uma conversa reservada, muitas vezes deixam seus celulares fora do recinto, por temer que eles possam ser usados como gravadores pela agência nacional de inteligência, a MIT.

O produtor de televisão Osman Sinav criou um seriado sobre a agência nacional de espionagem. Em uma das tramas do seriado, "Kizilelma", os agentes do serviço secreto frustram um atentado contra Erdogan.

O tema subjacente não difere muito da política externa seguida pelo chefe de governo, uma visão de hegemonia regional que se esvaiu em meio à guerra na Síria e ao afastamento da Irmandade Muçulmana, aliada de Erdogan, do poder no Egito.

Sinav compartilha em grande medida a visão de Erdogan de que a turbulência na Turquia –os protestos de rua do verão passado, a investigação por corrupção— é resultado de uma conspiração estrangeira.

Ele afirma ter um recado para os Estados Unidos: "Não se fazem tenazes de madeira e não se transforma um árabe em um paxá". O que ele quis dizer é que os EUA deveriam buscar a ajuda da Turquia para buscar a estabilidade no Oriente Médio.

Quando a terceira temporada do seriado da TV a cabo americana "Homeland" chegou ao fim com Carrie, a agente da CIA representada por Claire Danes, nomeada chefe da estação da agência em Istambul, a trama foi vista por alguns como sinal de planos para solapar a Turquia.

"Não é coincidência que a Turquia tenha virado cenário de ‘Homeland’", comentou o crítico de televisão Murat Tolga Sen.

"Nos últimos dois anos tem sido evidente a tensão entre o governo de Erdogan e o grupo transatlântico de Gulen, que também é vigiado estreitamente pelas agências de inteligência, incluindo a CIA, que inspirou os roteiristas de ‘Homeland’."

As intrigas na Turquia alcançaram a era digital por meio de uma série de vazamentos postados no site YouTube que vêm fascinando o público.

"Nós, como nação, já fazemos parte de uma operação maciça de espionagem", disse Tolga Sen. "Ouvimos as fitas vazadas, acompanhamos os fatos no YouTube, ficamos à espera da próxima gravação."

Na esperança de reduzir os vazamentos e recobrar o controle, o governo adotou medidas autoritárias, entre elas uma nova lei que vai ampliar os poderes da agência de espionagem de fazer grampos eletrônicos, ao mesmo tempo protegendo agentes contra processos judiciais.

Mas algumas vezes é preferível que a arte e a vida se distanciem. Quando "Homeland" retornar às telas, Carrie não estará mais em Istambul.

Isso é bom, segundo um funcionário turco, porque, se estivesse, a observação de Oscar Wilde se confirmaria outra vez: seria "um desastre de diplomacia pública".

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