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O sequestro de estudantes nigerianas é o drama desalentador ainda em curso no país mais populoso da África, cujo panorama promissor frequentemente é minado por desastres humanos apresentados como atos divinos.

A Nigéria está entre os países mais religiosos do mundo —e há poucos anos eram apontados como o povo mais feliz do globo.

Um estrangeiro que venha aqui pode se espantar com a quantidade de igrejas e mesquitas.

As conversas são repletas de referências a Deus. Pergunte a alguém, "Como vai?", e a resposta é: "Bem, graças a Deus".

Perguntando se a pessoa já conseguiu um emprego, é provável ouvir: "Acredito que Deus me arranjará um emprego" ou "Deus está no comando".

Em um país com tantas estradas esburacadas e tantos carros em mau estado, e onde é mais fácil comprar uma carteira de motorista do que fazer um exame de habilitação, poucos viajam sem fazer uma pausa para orar.

Motoristas cristãos rezam para serem "cobertos pelo sangue de Jesus" e imploram para Deus "deter bruxas, feiticeiros e espíritos demoníacos" que supostamente se escondem nas estradas.

Lamentavelmente, a manifestação obsessiva de religiosidade frequentemente é uma desculpa para fazer a coisa errada —ou fazer nada. O fervor pode levar à fuga da responsabilidade. É como se alguns nigerianos tivessem inventado um "Deus" indulgente com o qual podem fazer tratos.

Clérigos mal-intencionados ganham fortunas afirmando que todos os problemas imagináveis —pobreza, desemprego, doenças e a incapacidade de atrair um cônjuge— têm uma causa satânica e precisam de antídoto divino.

Em 2012, uma alta funcionária do governo da Nigéria disse a seus convidados sul-africanos que um espírito maligno estava por trás do fracasso de seu país em fornecer energia elétrica regularmente. E defendeu um exorcismo para sanar o problema.

O grupo radical islâmico Boko Haram usou a religião para justificar os sequestros, alegando que educar meninas viola o Alcorão.

O Boko Haram, que jurou erradicar a influência ocidental e impor a supremacia islâmica, incendiou escolas, matou centenas de estudantes em seus quartos e lançou bombas em lugares públicos, matando centenas de pessoas e mutilando muitas outras.

Anteriormente neste mês, alguns de seus membros, armados com fuzis AK-47 e granadas lançadas por foguetes, foram a Gamboru Ngala, uma comunidade pastoral perto de Camarões, e mataram mais de 300 pessoas.

A sede de sangue do Boko Haram e sua alegria perversa ao matar e mutilar em nome de Alá têm despertado um misto de horror e curiosidade no mundo.

Acostumados com atrocidades cujos autores invocam divindades, os nigerianos veem a disseminação do terror sectário como uma fase mais sangrenta de uma calamidade incessante.

Duas das principais religiões do mundo, o islamismo e o cristianismo, se debatem na Nigéria. Ambas tiveram períodos de coexistência pacífica, mas também registram uma longa história de relações tumultuadas.

Muitas vezes as tensões degeneraram em violência devido a membros ultrazelosos de correntes extremistas do islã, dispostos a converter "infiéis" à força.

A Nigéria tem muitos cristãos, muçulmanos e animistas que levam uma vida honesta, digna e moldada pelos preceitos de sua fé.

Mas é também um país no qual escroques e charlatães, incluindo políticos e os chamados "homens poderosos de Deus", usam o nome de Deus como marketing ou para encobrir suas falcatruas.

Em 2009, dois executivos de um banco nigeriano acusados de fraudar clientes que haviam depositado centenas de milhões de dólares eram não só membros proeminentes de uma igreja, como pastores ordenados.

Nunca vi qualquer político nigeriano nos últimos 25 anos que não tenha dito ser um muçulmano ou cristão devotado. Mesmo assim, a maioria enriqueceu obscena e inexplicavelmente.

É fascinante observar como a linguagem do poder público na Nigéria muda o tempo todo, amoldando-se a novos valores morais. Há várias décadas, um funcionário público que acumulasse riqueza ilicitamente seria chamado de ladrão ou peculatário, mesmo que não fosse punido pela lei.

Hoje em dia, um funcionário como esse diria: "Fui abençoado pelo meu Deus". Um ditado diz que tudo o que um ladrão precisa para santificar seu roubo é oferecer o dízimo estipulado em 10%.

E o que dizer de um candidato político que trapaceia para ganhar uma eleição? Como conferencista da Fulbright na Universidade de Lagos em 2002, usei uma discussão de "A Man of the People" [Um Homem do Povo], de Chinua Achebe, para falar sobre fraude eleitoral.

Um aluno ergueu a mão, ansioso para dar sua opinião. "Todo poder emana de Deus. Portanto, não se pode condenar um candidato, mesmo que ele trapaceie."

Outro estudante me explicou o seguinte: "Se não quisesse que o trapaceiro ganhasse, Deus poderia decretar sua morte".

Esse argumento bizarro explica por que, apesar dos templos onipresentes, a Nigéria parece ser tão obsediada eticamente.

Okey Ndibe leciona literatura africana na Universidade Brown em Providence, e recentemente lançou o romance "Foreign Gods, Inc" [Deuses Estrangeiros e Cia.].

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