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O maestro Michael Tilson Thomas tem uma maneira bastante própria de lidar com o barulho | Hiroyuki /The New York Times
O maestro Michael Tilson Thomas tem uma maneira bastante própria de lidar com o barulho| Foto: Hiroyuki /The New York Times

Tentar conter uma tosse quando se assiste uma apresentação musical é uma experiência desagradável; ser repreendido pelo músico que está no palco, porém, não fica atrás.

Em um concerto da Orquestra Sinfônica de Chicago realizado em novembro, o maestro convidado Michael Tilson Thomas resolveu uma tosse vinda do público lançando pastilhas para a garganta no meio da multidão entre movimentos da Nona de Mahler. Depois de apresentar um longo recital de Bach e Beethoven para uma multidão silenciosa e reverente em Boston no início do mês, o pianista András Schiff parou no meio do bis para dar um recado a alguém que tossia na plateia.

"Estou aqui lhe oferecendo um presente: trate de não estragá-lo!", ele repreendeu o infrator, envergonhado.

O pianista de jazz Keith Jarrett também costuma transmitir essa mensagem ao seu público. Só que as suas palavras não podem ser registradas aqui.

Nesses tempos de vale-tudo, parece que tossir durante concertos é uma das últimas formas universalmente rechaçadas de vandalismo na alta cultura. No início de uma recente apresentação de "Messias" de Handel no Carnegie Hall, a tosse se alastrou pela plateia como "se sapos estivessem chamando a atenção uns dos outros à noite em diferentes partes do pântano", para nos utilizarmos da imagem cunhada pela pianista Susan Tomes.

Para os músicos, basta uma ameaça de violência ou humilhação para acabar com a tosse.

Até que ponto é correto que os músicos chamem a atenção para tais distúrbios na plateia? Será que uma das marcas de uma apresentação ao vivo não é justamente o fato de que ela se alimenta da energia que circula na sala?

Os músicos do século 18 tinham uma sintonia profunda com os acontecimentos que se davam no auditório (extremamente iluminado) e esperavam reconhecer, por exemplo, a chegada de alguém ilustre na plateia. O ideal de uma audiência reverente e silenciosa, mergulhada na escuridão e, como disse George Bernard Shaw certa vez, com um "silêncio de igreja" enquanto a música toca, surgiu apenas no século 19. Hoje, a reverência perante qualquer coisa – mesmo a própria "religiosidade" – é limitada. Assim como o silêncio.

As condições dos estúdios de gravação acostumaram tanto o público quanto os artistas a um ideal acústico. No entanto, como somos corpos vivos que respiram e sussurram, a música perde força sem nossa presença. O silêncio ideal não resulta da ausência, mas é criado por uma multidão de ouvintes atentos.

O maestro Simon Rattle expressou isso de uma bela maneira quando se dirigiu a outro ataque de tosse em 2007. "Essa peça começa com o silêncio e retorna ao silêncio", disse ele à multidão. "O público pode ajudar a criar a peça se mantendo em silêncio."

Quando estamos na plateia e passamos a considerar o silêncio nossa própria missão, ficamos mais dispostos a nos esforçar por ele. No entanto, o nosso silêncio é o nosso presente para os Keith Jarretts e András Schiff deste mundo e pode ter sido conquistado a um grande custo. Ele não é um direito deles.

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