• Carregando...
Yilin Zhuo segura fotografia de sua família no enterro da esposa e dos quatro filhos, que foram mortos a facadas em outubro, no Brooklyn | Robert Stolarik/The New York Times
Yilin Zhuo segura fotografia de sua família no enterro da esposa e dos quatro filhos, que foram mortos a facadas em outubro, no Brooklyn| Foto: Robert Stolarik/The New York Times

A filha mais nova do homem foi a última a ser enterrada. Antes dela, foram a outra filha, o primeiro menino e o bebê, William. Pequeno demais para ter um caixão só seu, ele foi aninhado ao lado da mãe.

Após a terra americana cobrir os caixões de sua família, Yilin Zhuo não tinha mais motivo para ficar no país. No início de dezembro, ele abandonou seu lar adotivo, o Brooklyn, para retornar à aldeia chinesa de onde veio duas décadas atrás. "Um pai só quer ver os filhos crescerem", disse ele, horas antes de seu voo. "Agora meus filhos se foram. Minha esposa se foi. Será que algum dia vou ser feliz de novo?"

Linda tinha nove anos; Amy, sete; Kevin, cinco, e William, apenas um. Eles e a mãe, Qiaozhen Li, de 37 anos, foram encontrados mortos a facadas no final de outubro em seu apartamento. Um primo, que estava hospedado com a família, foi preso depois que a polícia o encontrou lá, com as roupas respingadas de sangue e uma grande faca de cozinha por perto.

Foi um caso de violência familiar de uma gravidade raramente vista em Nova York, provocado, disse o primo à polícia, por seu sentimento de fracasso em relação a encontrar a segurança, a estabilidade e a família que todos os recém-chegados à Chinatown do Brooklyn buscam.

Até aquela noite, a família era mais uma entre tantas famílias de imigrantes pobres dentre as milhares que esvaziaram as cidades e aldeias ao redor de Fuzhou, na província de Fujian, sudeste da China, para rumar para a área de Sunset Park, no Brooklyn.

Quando chegam a Nova York, os homens embarcam em ônibus em busca de empregos nos restaurantes e bufês de comida chinesa que brotam em estradas iluminadas por neon e dentro de shoppings em pequenas cidades: para o oeste, em Michigan; para o norte, em Maine; para o sul, na Geórgia. Os restaurantes chineses dos Estados Unidos foram formados por uma diáspora originada de Fuzhou; quase meio milhão de chineses vivem a esperança de que as longas horas de trabalho e os baixos salários façam um dia valer a pena a sua despedida da terra natal.

Zhuo, de 41 anos, era um desses trabalhadores. Seu primo, Mindong Chen, de 25 anos, era outro. Seus caminhos divergentes – um ascendente, o outro agora acusado de homicídio – desnudam a realidade da vida na comunidade chinesa: um fardo pesadíssimo e uma pobreza implacável, irreversível para quase todos.

Todos podiam ver os problemas de Chen em suas postagens no Qzone, um serviço chinês de mídia social. "Por que a pressão é tão grande agora?", escreveu. "O caminho tem sido muito difícil."

Ambos os primos tinham vindo para Nova York da mesma forma, como jovens mandados para longe de casa para enfrentar empregos árduos como ajudantes de garçom e cozinheiros de comida chinesa que oferecem apenas a mera esperança de uma vida melhor. Zhuo, porém, conseguiu transformar a sua oportunidade em uma humilde carreira, um lar e uma família.

Agora, seu primo é acusado de ter destruído o pouco que ele tinha em uma noite. Demitido de mais um emprego e prestes a ser deportado, Chen veio ficar hospedado no apartamento da família na Rua 57, em outubro. Ele apostava, fumava e não agia de maneira correta, disse Li a parentes seus.

Dias antes das facadas, Chen tinha discutido com as crianças. Na noite de 26 de outubro, Li, conversando por telefone com a sogra, na China, disse a ela que Chen tinha uma faca. Quando parentes preocupados chegaram à sua porta e Zhuo ainda corria do trabalho para casa, já era tarde demais.

Logo depois de sua prisão, Chen disse aos detetives que "todo mundo parecia estar se dando melhor do que ele" desde que tinha chegado aos Estados Unidos em 2004, de acordo com a polícia.

A sua família e a de Zhuo haviam pedido emprestado dezenas de milhares de dólares de parentes e amigos para pagar redes chinesas de contrabandistas de imigrantes, conhecidos como cabeças-de-cobra, para levar os seus filhos até Nova York.

Eles não falavam inglês e tinham poucas perspectivas. Mas ainda assim havia uma chance de sustentar a família e patrocinar parentes que posteriormente emigrariam e teriam uma família no país.

Esse é o sonho daqueles que trabalham nos restaurantes. Mas antes de poupar para o futuro, eles têm que trabalhar duro por anos para pagar suas dívidas com os cabeças-de-cobra, que podem chegar a 80 mil dólares.

"Nossa vida se resume ao trabalho. Não temos outra opção", disse James Zheng, de 31 anos, que trabalhou em mais de 10 restaurantes diferentes em todo o país antes de abrir uma agência de empregos no coração da Chinatown do Brooklyn. "Eles acham que se continuarem a trabalhar tanto assim, um dia poderão ter um restaurante ou uma casa própria."

"O que eles estão buscando e o que eles estão vivendo são coisas completamente diferentes", acrescentou. "Esse é o sonho americano. Simples assim." O pai de Zhuo morreu quando ele tinha 12 anos. Quando ele tinha 21 anos, um contrabandista o levou embora da China por 40 mil dólares. Em 2006, ele tinha conseguido um trabalho relativamente estável no Best Wok, um restaurante de comida para viagem do Queens, refogando pratos e pratos de frango e brócolis. Depois de sofrer com as dificuldades de encontrar uma esposa em Nova York, sua mãe providenciou para que ele conhecesse Li, filha de uma amiga da China. À medida que a sua família foi crescendo, Zhuo começou a trabalhar mais. Sabendo que não teria condições de comprar cigarros, nunca fumou.

Recusava os convites de seu chefe para sair à noite. Economizava para ajudar um irmão a pagar suas dívidas aos contrabandistas. Para evitar o longo trajeto diário até o leste do Queens, Zhuo vivia como um trabalhador de fora da cidade, dividindo o quarto fornecido por seu chefe com outros funcionários. Ele ia para casa aos domingos. Depois que os seus turnos de 12 horas de trabalho terminavam, à meia-noite, ele e os outros assistiam TV ou conversaram por vídeo com a família.

Com o tempo, o casal encontrou alguma segurança. Quitou as dívidas com os cabeças-de-cobra há dois anos. Ambos legalizaram a sua situação no país. Enquanto outros mandavam os filhos para serem criados em China, Li ficou em casa com seus quatro filhos. Eles alugaram parte de seu apartamento para os parentes, lotando os dois quartos restantes. Quando Chen bateu à sua porta no semestre passado, tinha acabado de ser demitido de um emprego em Chicago. Ofereceram a ele um prato de comida e uma cama.

Desde que chegou aos Estados Unidos, aos 16 anos de idade, Chen teve problemas para continuar em um mesmo trabalho. Entre os empregos, ele apostava e fumava maconha em salões ilegais de caça-níqueis, contou seu amigo de vários anos, Tony Chen. Sentindo-se muitas vezes agitado, ele batia nas máquinas quando perdia.

Geralmente vivia sem dinheiro, ganhando pouco além da decepção de sua família. Seu pai, Chen Yixiang, tinha pagado cerca de 100 mil dólares aos contrabandistas de seu filho, e ainda deve metade disso para os credores. "Eu nunca mais vou poder ver meu filho novamente", disse o pai, falando da China. "Estou bem pior do que ele agora."

O fluxo de imigrantes de Fuzhou diminuiu nos últimos anos. Mas Nova York ainda exerce uma atração poderosa para aqueles que ganham dois mil dólares por ano em casa, em comparação com 1.500 ou 3 mil dólares por mês em um restaurante, disse Kenneth J. Guest, antropólogo do Baruch College que estuda a população de Fuzhou da cidade.

Nas agências de emprego, homens monitoram uma série de post-its amarelos afixados nas paredes. Cada um deles anuncia um trabalho, uma remuneração mensal e um número de três dígitos – o código de área do telefone do restaurante. Para muitos, os nomes das cidades e estados onde atuam significam pouco. O que eles sabem são números: saídas de estradas, códigos de área e o tempo que leva para voltar para Chinatown.

Nos dias de folga, ou entre um emprego e outro, eles retornam a Nova York. Alguns vivem em pequenos quartos em apartamentos subdivididos, compartilhando-os com até seis colegas de quarto. Outros ficam com parentes. Os menos afortunados pagam alguns dólares para passar a noite em lan houses, jogando no computador até adormecer.

Embora Chen não tivesse muito dinheiro nem autorização para residência permanente nos Estados Unidos, ele ficou noivo alguns anos atrás, contou Tony Chen. Mas depois que ele pagou o habitual preço pela compra da noiva – um pré-requisito que pode chegar a mais de 50 mil dólares entre os vindos de Fuzhou que vivem no Brooklyn – a mulher desapareceu, um tipo não raro de fraude que deixou Chen arrasado. "Olhando tantos casais assim, por que me sinto tão sozinho?", escreveu ele no Qzone em agosto de 2012. "Eu quero gritar bem alto: eu te amo."

Neste ambiente, a angústia e a depressão foram aumentando. Mas os problemas psiquiátricos são tanto estigmatizados quanto mal compreendidos na comunidade, disse Paul P. Mak, presidente da Associação Sino-Americana do Brooklyn, que organizou recentemente uma série de oficinas acerca do tema da saúde mental na escola dos filhos de Zhuo.

Chen passou por uma avaliação psiquiátrica, disse sua advogada, Danielle V. Eaddy. Está agendada para este mês uma audiência para verificar se ele está apto para ir a julgamento. Não se sabe ao certo se Li procurou ajuda para Chen antes de 26 de outubro. Chegando tarde demais para salvá-la, a sua família viajou para Nova York em novembro para o funeral. Espalhou margaridas e cravos sobre os caixões – flores brancas, a cor do luto chinês.

Era chegada a hora de partir. Em seu colo, Zhuo levou uma foto da esposa e dos filhos sorrindo enquanto o carro preto se distanciava.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]