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Michel Martelly resumiu em poucas palavras as primeiras medidas que tomaria se algum dia deixasse de ser músico para virar presidente do Haiti. “Primeiro, eu consolidaria meu poder, que seria muito forte e necessário, e fecharia o Congresso”, teria declarado em 1997, quando ainda era um cantor popular. “Fora do meu caminho!”

Suas palavras se revelaram proféticas. Hoje, quase quatro anos depois do início de sua Presidência, uma crise política no Haiti concretizou a fantasia que ele descreveu: Martelly está presidindo o país sem os freios e contrapesos de um Parlamento.

Quando ele e seus adversários no Parlamento não puderam chegar a um acordo sobre eleições, a maioria dos mandatos legislativos chegou ao fim. Hoje, as vagas desses congressistas continuam desocupadas. Em todo o país, restam apenas 11 políticos eleitos, sendo o presidente um deles.

Martelly vem governando por decreto, concentrando o poder em suas mãos. Segundo críticos, ele é prisioneiro de seu passado e está cercado de amigos e assessores que já foram presos por acusações que incluem estupro, homicídio, tráfico de drogas e sequestro.

Um dos assessores seniores de Martelly passou seis meses encarcerado durante o mandato do presidente, acusado de matar um homem numa troca de tiros na fronteira dominicana. Outro amigo do presidente desapareceu em 2014, pouco depois de ser solto da prisão, onde estava por envolvimento em tráfico de maconha.

Temendo retaliações, o promotor desse caso abandonou o país.

A influência da administração Martelly é criticada principalmente por seu efeito sobre o Judiciário, onde os processos criminais contra pessoas próximas ao presidente estão paralisados ou desapareceram.

Promotores que manifestaram objeções contra a ingerência foram demitidos ou fugiram do país, e um juiz que se queixou de interferência do presidente em um processo por corrupção civil contra a primeira-dama, Sophia Martelly, morreu dois dias mais tarde.

“Vejo com muita preocupação essa rede interligada de personagens nefandos”, disse Robert Maguire, estudioso do Haiti na Universidade George Washington, em Washington. “Martelly criou um ambiente de corrupção, impunidade e abuso do poder.”

O gabinete do presidente e seu porta-voz não responderam a vários pedidos de declarações.

Mas os partidários de Martelly o defenderam. “Temos estabilidade há quatro anos”, falou o senador Daniel Edwin Zenny, aliado do presidente. “Antes, tínhamos 10 mil a 20 mil pessoas protestando nas ruas todos os dias. Hoje temos entre 1.500 e 4.000. Enquanto elas protestam, o país avança.”

O presidente é visto como responsável por ter tirado das “cidades de barracas” a imensa maioria dos haitianos que perderam suas casas no terremoto devastador de 2010. Hoje, painéis solares iluminam as ruas antes escuras. Estão sendo construídos hotéis e sedes de ministérios. Foi promulgada uma lei anticorrupção, e o presidente vem encontrando maneiras criativas de matricular mais crianças na escola primária.

Os escombros que o terremoto espalhou pelas ruas desapareceram, assim como a maioria das barracas nas quais vivia 1,5 milhão de haitianos.

O Haiti tem hoje um dos crescimentos econômicos mais acelerados do Caribe, graças, em grande medida, a projetos infraestruturais financiados pelo dinheiro que o Haiti poupou por comprar óleo da Venezuela a preços preferenciais. Mesmo com esse crescimento, contudo, e com os bilhões de dólares recebidos em assistência internacional, 24% da população ainda vive na pobreza extrema, segundo o Banco Mundial.

Nicole Phillips, advogada do Instituto de Justiça e Democracia no Haiti, disse que embora o governo de Martelly tenha melhorado a infraestrutura e construído hotéis, ele reprimiu os ativistas dos direitos humanos e manipulou o Judiciário para beneficiar figuras próximas ao presidente.

O último premiê de Martelly, Laurent Lamothe, era visto por muitos como alguém que estava combatendo os sequestros e o crime organizado. Mas ele foi afastado em dezembro, quando a crise política chegou ao auge.

“Desde que Martelly chegou ao poder, as instituições do Estado ficaram ainda mais enfraquecidas”, comentou Pierre Esperance, diretor da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos.

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