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Eu acabara de desembarcar no Aeroporto Internacional de Jinnah em 7 de julho e estava a caminho da esteira de bagagens quando vi o buraco de bala.

Ali estava ele, um buraco em uma vidraça, provavelmente feito por uma bala perdida. Era o único lembrete visível do tiroteio de 8 de junho, quando membros do Taleban paquistanês invadiram o velho edifício do terminal onde voos cargueiros e privados operam atualmente. A batalha acirrada entre eles e as forças de segurança resultou em 36 mortos, incluindo os dez militantes do Taleban. Outra perda, agora marcada de forma permanente, foi nossa sensação coletiva de segurança em relação ao aeroporto.

O Aeroporto Internacional de Jinnah era o único lugar onde eu me sentia a salvo dos infortúnios de Karachi. Em geral, para a maioria dos paquistaneses, é difícil viajar para o exterior, pois precisam enfrentar formulários complicados e entrevistas estressantes para obter o visto, assim como provar suas boas intenções como visitantes país e assumir pesados encargos financeiros.

No entanto, na ida para o Aeroporto Internacional de Jinnah a fim de pegar um voo ao nascer do dia, com a cor céu mudando de lavanda para rosa e pêssego, o aeroporto reluz à distância como uma miragem. À medida que se chega mais perto, o imponente edifício de granito cinza fica mais real, com suas rampas arrebatadoras e pistas de decolagem graciosas. Com essa visão, seus sonhos de escapar de Karachi também se tornam realidade.

O buraco de bala parecia insignificante em comparação com as imagens que ocuparam as telas de nossas televisões durante o ataque: rolos de fumaça e labaredas emergindo dos armazéns de carga, soldados com armamentos pesados disputando posições, ambulâncias correndo para o local. Eu estava em Londres em 8 de junho, mas, como todos os habitantes de Karachi, já tinha visto cenas semelhantes em outras ocasiões —e não só na televisão.

No entanto, o cerco do aeroporto abriu uma nova ferida. Nós tínhamos muito orgulho do Aeroporto Internacional de Jinnah —não só de seu novo terminal, cuja construção custou no mínimo US$ 100 milhões, como também do terminal antigo. Seu Star Gate ainda é um marco em Karachi. Centenas de milhares de paquistaneses passaram por seus edifícios velhos e escurecidos: para fazer a peregrinação em Meca, para emigrar para o exterior, para voltar para casa, para estudar em universidades, para descobrir o mundo.

Os estrategistas do ataque certamente sabiam que essa ação, independentemente de destruir ou não o aeroporto, abriria uma ferida psicológica aguda nos paquistaneses. O aeroporto representa nossa ligação com o mundo exterior, nossa modernidade e nossa prosperidade.

O aeroporto também é o eixo da Pakistan International Airlines, nossa problemática companhia aérea. Outrora o orgulho do país, hoje ela é alvo de numerosas piadas. Os paquistaneses se queixam de quase tudo o que a companhia faz: a falta de pontualidade, suas finanças, a manutenção da frota, a equipe muitas vezes rude. Mas, apesar de tudo isso, é um símbolo nacional. Sua criação anunciou ao mundo que nosso jovem país agora fazia parte das nações importantes. Os terroristas também atacaram essa ideia.

Os paquistaneses têm um motivo especial para ficar nervosos quando voam para o exterior: desde o 11 de Setembro, temos passado por controles de segurança extremamente rígidos e muitas vezes somos tirados das filas de imigração e levados para interrogatórios especiais.

Todavia, a causa mais profunda da ansiedade sentida pelos paquistaneses quando saem do país talvez seja histórica. Ainda somos assombrados pelos fantasmas dos milhões que foram massacrados há 66 anos durante a partilha do subcontinente, quando iam da Índia para o Paquistão. Quem não ouviu relatos sobre imigrantes que viajavam de trem e chegavam mortos nas estações ferroviárias; sobre quadrilhas criminosas portando espadas e matando homens, mulheres e crianças indefesos por causa de sua fé? Essas histórias são transmitidas por sucessivas gerações e seu impacto está gravado em nossa memória coletiva.

As ações do Taleban no Aeroporto Internacional de Jinnah reacenderem esse trauma com uma precisão assustadora.

Os paquistaneses sempre são supersticiosos quando viajam: proferimos preces islâmicas especiais para partidas e chegadas seguras, damos esmolas e agradecemos quando voltamos para casa em segurança. Mas esses costumes não ajudam a aliviar nossa ansiedade, muito menos quanto ao futuro. Não agora, que há soldados de aparência ameaçadora com uniformes de combate e submetralhadoras patrulhando os corredores do aeroporto. Não agora, que cada indivíduo tem de entrar sozinho no aeroporto, sem a companhia da família inteira que costumava confortar e distrair o passageiro nervoso até o último minuto.

Assim que cheguei em casa após desembarcar no aeroporto, a lembrança daquele buraco de bala na vidraça, tão ínfimo que nem sequer foi visto pelas equipes de manutenção, me fez pensar na maneira como Bilal Tanweer, um escritor paquistanês emergente, inicia o prólogo de seu romance "The Scatter Here Is Too Great" (a dispersão aqui é enorme): "Você já viu uma vidraça estraçalhada por uma bala? O buraco no meio cria uma teia nítida em torno de si mesmo e fica repleto de cristais miúdos. Essa é a metáfora do meu mundo, desta cidade: dilacerada, bela e fruto de uma violência tremenda".

Bina Shah é jornalista e autora de vários romances, incluindo "Slum Child", e coletâneas de contos. Envie comentários para intelligence@nytimes.com

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