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Anitha Amgoth (27) durante o funeral de seu marido, um agricultor de algodão indiano que cometeu suicídio. Agora, ela é responsável pelas dívidas dele | Andrea Bruce para The New York Times
Anitha Amgoth (27) durante o funeral de seu marido, um agricultor de algodão indiano que cometeu suicídio. Agora, ela é responsável pelas dívidas dele| Foto: Andrea Bruce para The New York Times
  • Manasa Thotla descansando após um dia colhendo algodão. Sua mãe cometeu suicídio

Por três vezes, um agricultor chamado Veera Reddy cortou os pulsos. Finalmente, ele se enforcou, deixando uma detalhada lista de cada valor que devia a credores. A soma total: 400 mil rúpias, ou US$6.430.

Em Andhra Pradesh, a taxa de suicídios entre agricultores é quase o triplo da média nacional. Desde 1995, mais de 290 mil suicídios foram registrados entre agricultores indianos.

Antes a espinha dorsal econômica do país, os pequenos agricultores estão cada vez mais sendo deixados para trás.

Com a competição global e o aumento dos custos reduzindo seu magro lucro, seus números vêm diminuindo – assim como sua contribuição para o produto interno bruto. Até mesmo a morte é uma solução paliativa; quando agricultores como Reddy tiram as próprias vidas, suas dívidas passam de marido para viúva, de pai para filho. Sua viúva, Latha Reddy Musukula, agora tenta sobreviver do terreno de 1,5 hectare que derrotou seu marido. À sua volta ela vê um país transformado pelo crescimento econômico, cheio de oportunidades para sair da pobreza – ao menos se seu filho ou filha pudesse agarrar uma. A armadilha que se fechou sobre o marido está se fechando ao redor dela.

Assim como quase todos os vizinhos, ela está nas mãos dos agiotas da aldeia. Tão logo o corpo de seu marido foi retirado da corda, já havia um deles em sua casa, ameaçando bloquear a cremação a menos que ela pagasse.

Seus pedidos de ajuda às autoridades foram recebidos com indiferença.

"Claro, eles vão pagar, caso contrário seria como se alguém tivesse invadido nossa casa e roubado nosso dinheiro", declarou Sudhakar Ravula, um homem magro que mora em uma aldeia vizinha. Ele se apresentou como pescador, mas, quando questionado, revelou uma nota promissória assinada por Veera Reddy.

Há quatro anos, ele contou, ele usou dinheiro de empréstimo para emprestar US$800 a Reddy, a uma taxa de juros anual de 24 por cento. Lembrado do suicídio de Reddy, Ravula pareceu impaciente. "Sempre sinto pena do homem, mas cometer suicídio não é a forma correta de agir", afirmou ele.

Quando reformas de mercado foram introduzidas em 1991, o governo reduziu subsídios e derrubou barreiras de importação, lançando os pequenos agricultores em um implacável mercado global. Os agricultores assumiram novos riscos, mudando para cultivos comerciais e sementes mais caras, geneticamente modificadas, pagando mais para educar seus filhos na esperança de que eles conseguissem empregos públicos.

Eles se viram presos a uma aposta perigosa, fazendo malabarismos com empréstimos cada vez mais altos e exorbitantes, sempre esperando que uma boa colheita lhes permitisse quitar suas dívidas para poderem assumir outras novas. Esse padrão deixou uma trilha de escombros humanos.

Certa tarde, Musukula era uma das 18 mulheres esperando em frente a um prédio do governo. Quase todas elas traziam um relatório policial, identificando a dívida como causa do suicídio de um agricultor – um fato que deveria lhes garantir um pagamento único de 150 mil rúpias, a ser dividido entre os agiotas e a família enlutada.

Suicídio não é fuga de dívidas na Índia

Para recebê-lo, elas precisavam de uma designação do oficial de receita do distrito. Elas haviam vindo para falar com um dos subordinados do oficial.

P. Bhiksham ouviu duas mulheres contarem os detalhes da morte de seus maridos, e então começou a falar. O verdadeiro problema, afirmou ele, era que seus maridos bebiam demais.

"Na Índia nós temos muitos problemas, e temos de viver com eles", continuou ele. Você tem problemas, e tem de viver com eles. A bebida é um grande problema para a maioria das famílias. É preciso aprender a administrar a família com quaisquer recursos disponíveis".

Ele prosseguiu dizendo que nunca em sua carreira havia encontrado um caso genuíno de suicídio de agricultor. "Todos nós temos liberdade para escolher nosso sustento", disse ele, "e a terra aqui é fértil".

As mulheres escutaram em silêncio e foram saindo. Elas estavam decepcionadas com o que Bhiksham havia dito, mas não surpresas.

Muitas autoridades locais culpam os agricultores por má gestão de suas finanças. "A família sempre dirá que foi um suicídio", argumentou G. Satyanarayana, inspetor chefe da delegacia que registrou o suicídio de Veera Reddy, em 2012. Após folhear o arquivo do caso, ele afirmou que Reddy havia sido vítima de "seus maus hábitos" – o álcool. O verdadeiro problema, explicou ele, é que os agricultores locais estão gastando demais na educação de seus filhos.

"Alguns dos agricultores estão tendo aspirações demais. Eles são pequenos agricultores de aldeias, mas não enviam seus filhos a escolas públicas, e sim a escolas particulares. Eles estão em busca de um falso prestígio, e não percebem sua própria situação financeira. A mãe, em vez de ir aos campos às 5 da manhã, está esperando pelo ônibus escolar às 9".

Quanto aos agiotas assediando viúvas após um suicídio, ele disse que a polícia nunca recebeu qualquer relato disso tendo acontecido. Provavelmente, explicou, os aldeões não procuram a polícia sobre os agiotas porque temem precisar de um empréstimo no futuro.

Quando os agiotas foram à porta de Latha Musukula, ela tentou conversar e afastá-los por um ou dois meses, mas então um deles descreveu a casa que pretendia construir nas terras de Musukula, e se dirigiu a ela como "prostituta".

Musukula ficou tão abalada que repetiu as palavras que o agiota lhe pediu para dizer, prometendo saldar o valor total até abril. Ela não tinha ideia de como conseguiria isso.

Vender as terras deixaria a família sem uma fonte de renda, e a obrigaria a voltar sem um tostão para a casa de seu irmão.

Musukula tenta proteger seu filho e filha, insistindo que eles foquem em seus estudos, mas Srilekha, de 18 anos, afirmou: "Eu e meu irmão esperamos que os agiotas possam esperar até terminarmos os estudos e conseguirmos um emprego, mas isso é improvável".

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