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Uma mistura de gordura e queijo derretido pinga da pizza no chão de cimento. É um dia quente, e o homem segura a fatia no balcão de um café.

Enquanto espera, o balconista comenta como este é "um país onde ninguém entende", ao que o cliente responde, agora de boca cheia: "Ah, sim, e essa coisa de socialismo do século 21 vai ter que esperar até o século 22".

Até agora, o governo de Raúl Castro autorizou quase 500 mil pessoas a trabalharem no setor privado. Trata-se de uma grande mudança em relação a 1968, quando cada emprego —até os engraxates— foi nacionalizado.

Durante a ofensiva revolucionária, toda pequena empresa acabou nas mãos do governo. A Cuba privada foi erradicada e estigmatizada, apenas para renascer décadas mais tarde.

Em 1993, acuado por uma crise econômica, Fidel Castro permitiu a reabertura do setor privado. Esta acabou sendo a pior derrota de Castro —que ele tentou mascarar como uma vitória, como sempre fazia quando ele tropeçava.

Mas coube ao seu irmão Raúl fazer o maior número de concessões ao livre mercado. "A maior distância entre o capitalismo e o capitalismo é o socialismo", diz uma piada ouvida em Havana.

Isso confirma o rumo econômico trilhado pela administração nos últimos cinco anos. Vozes no círculo leal ao sistema estão acusando o governo de trair os princípios do regime.

Esses críticos têm razão. Desde que assumiu o poder, em 2008, Raúl Castro concedeu uma série de concessões que viraram a bússola da ilha na direção de um sistema sem paternalismo, mas também sem direitos.

A autorização para criar pequenas empresas privadas coincidiu com a demissão de centenas de milhares de cubanos que durante décadas ocuparam postos de trabalho no governo, e agora estão desempregados.

O termo oficial para eles é "disponíveis". Dessa forma, ninguém pode dizer que eles perderam o emprego no paraíso proletário.

É como tentar controlar um carro que passou décadas atolado, mas, agora que ele está em movimento, ninguém sabe ao certo qual direção irá tomar —nem mesmo o motorista.

O regime perdeu poder com essas pequenas mudanças. Autorizar os cubanos a contratarem serviços de telefonia celular ajudou a inchar os cofres do Estado, mas deu aos cidadãos uma ferramenta de informação e comunicação. Cada movimento em direção à flexibilidade proporcionou algum alívio econômico para o governo e, ao mesmo tempo, uma relativa perda de controle.

Quando a reforma da imigração foi promulgada, em janeiro de 2013, a nova capacidade de viajar sem grandes restrições aliviou o mal-estar social.

Mas dezenas de dissidentes e ativistas são agora capazes de participar de conferências internacionais, às quais antes apenas representantes oficiais eram autorizados a ir. O que Fidel Castro havia impedido durante décadas começou a acontecer.

Vários órgãos governamentais e grupos de todo o mundo podem agora ouvir as propostas, argumentos e reivindicações das forças democráticas de Cuba. O mito da Revolução Cubana teve uma grande perda quando seus críticos começaram a ser ouvidas.

Não é mais um monólogo. Agora há um coro diferente e polifônico, que a propaganda oficial tenta silenciar com estratégias inúteis de demonização e medo. No campo econômico, a cautela, o medo e a lentidão caracterizam as chamadas "reformas raulistas".

O líder octogenário parece saber que, se ele acelerar a mudança, todo o modelo sócio-político poderia se desmontar.

Embora ele continue transmitindo a mesma mensagem e proclamando que as mudanças são "para mais socialismo", a realidade deixa claro que Cuba está em transição para uma espécie de capitalismo isento de direitos trabalhistas e liberdades cívicas.

Numa rua de Havana, uma mulher pergunta a outra se na noite anterior ela assistiu ao "canal educativo 3". Ela se refere ao sinal captado ilegalmente por antenas parabólicas —um fenômeno que a polícia tentou, mas não conseguiu erradicar.

Um número crescente de cubanos monta seus próprios receptores para aproveitar programas de televisão da Flórida. Cópias dessas atrações, popularmente conhecidas como "o pacote", são distribuídas em pen drives ou HDs externos.

As autoridades chamam "o pacote" de consumista e banal, mas a verdade é que o governo teme o enfraquecimento do seu monopólio sobre a informação.

Se as crianças não crescerem assistindo a programas e desenhos carregados de nacionalismo e slogans, será difícil que elas se comportem como soldados leais da Revolução. A tela da televisão sempre foi um meio muito eficaz para a doutrinação do governo.

Provavelmente é esse medo que está levando à reação da propaganda oficial contra a tecnologia. Quando veio à tona o "Twitter cubano", chamado Zunzuneo, os meios de comunicação governamentais usaram a situação para demonizar telefones celulares, e-mails, redes sociais e todos os periféricos com os quais nos comunicamos nestes tempos modernos.

Há poucos dias, o jornal "Juventud Rebelde" publicou uma charge da Estátua da Liberdade segurando um telefone celular em vez de uma tocha. A mensagem era clara: tecnologias de informação e comunicação são as ferramentas do inimigo.

O castrismo, no entanto, está perdendo a batalha. A biologia está encerrando a geração histórica, ao passo que a abertura econômica está criando uma classe que não depende de salários do governo, a crescente facção dissidente está reduzindo o prestígio internacional do regime, e a perda de controle sobre a informação está diminuindo sua influência sobre as pessoas. Todos estes são, no mínimo, obstáculos potencialmente fatais no caminho.

O relógio da história está avançando em Cuba, mas, no dia a dia, o tempo ainda luta para andar.

Yoani Sánchez, escritora cubana, está lançando o primeiro jornal digital independente da ilha, o "14ymedio".

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