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Abdul Shakoor, de 34 anos, com sua família em Karachi, passou dois anos preso depois de detido pela Marinha indiana enquanto pescava. Ele já deixou a atividade | Majid Hussain
Abdul Shakoor, de 34 anos, com sua família em Karachi, passou dois anos preso depois de detido pela Marinha indiana enquanto pescava. Ele já deixou a atividade| Foto: Majid Hussain

Os pescadores passam apressados uns pelos outros no porto simples, na periferia de Karachi, nos preparativos para sair para o mar durante a temporada de verão, mas um homem não vai a lugar nenhum: enquanto os outros remendavam suas redes em um campo, Abdul Shakoor, na porta de casa, tecia um tapete.

Depois de quinze anos no mar, ele disse estar em busca de uma profissão nova – decisão que sua mulher, Zahida, apoia com entusiasmo. "Ele só entra num barco de novo sobre o meu cadáver", sentencia ela.

Isso porque Abdul, de 34 anos, voltou recentemente a Karachi depois de passar dois anos em uma prisão indiana. E ele é um dos milhares de pescadores, tanto paquistaneses como indianos, presos nos últimos anos pela Marinha do país oposto, acusados de invadir uma fronteira que não podem ver e cuja localização exata é motivo de disputa.

A briga começou nos anos 60, quando Paquistão e Índia começaram a discordar da situação de Sir Creek, canal que separa a província de Sindh, no primeiro, do estado de Gujarat, no segundo; desde então, o que era uma discussão cresceu para se transformar em uma disputa sobre a extensão das fronteiras no Mar da Arábia.

Ao longo dos anos, os dois governos encomendaram pesquisas, organizaram reuniões e propuseram acordos. Quando o General Pervez Musharraf era líder do Paquistão, chegou a anunciar que quase tinha fechado um acordo com o colega indiano, Manmohan Singh – só que ele foi deposto em 2008. Hoje, as autoridades não conseguem nem concordar com o mapa que deve ser usado para a definição das fronteiras marítimas, dizem os advogados.

Todo ano, dezenas de pesqueiros são detidos, acusados de invadir as águas do "inimigo". Jogados em uma cela, os homens muitas vezes permanecem ali anos a fio e só são soltos por causa do processo de paz espasmódico entre as nações. Atualmente, 249 indianos estão detidos nas prisões paquistanesas enquanto 131 paquistaneses estão detidos na Índia, de acordo com o Ministério do Exterior paquistanês.

"O objetivo das prisões é demonstrar a autoridade dos governos e fazer um protesto simbólico contra o outro por permitir que seus pescadores invadam suas águas", explica Ahmer Bilal Soofi, advogado paquistanês que trabalha na disputa de Sir Creek. Os restos de um navio semi-naufragado é usado pelos pescadores paquistaneses como ponto de referência; uma meia dúzia de barcos mais bem equipados conta com a ajuda do GPS.

Mesmo assim, as prisões são frequentes. Abdul conta que seu barco estava perto do navio quando foi cercado pela Marinha indiana, em 2012. Outros cinco barcos foram detidos no mesmo dia e levados a um porto em Gujarat. Ali, as autoridades indiciaram os capitães e jogaram os tripulantes na cadeia, onde conheceram vários conterrâneos. Um deles já estava preso há mais de vinte anos. E o tempo todo Abdul só conseguia pensar nas dificuldades pelas quais sua família estava passando. Sua preocupação tinha razão de ser porque as mulheres dos outros homens, ainda detidos, descreviam uma vida de penúria e dificuldades.

"Minhas crianças choram pedindo comida, roupa", conta Laila, mãe de nove filhos, cujo marido está em uma prisão indiana há dois anos. "Não faço outra coisa a não ser chorar".

Em maio deste ano, o primeiro-ministro Nawaz Sharif libertou 151 pescadores indianos antes de voar para Nova Déli para a posse do indiano Narendra Modi. A Índia libertou 353 paquistaneses de 2008 a 2013, segundo o Ministério do Interior do Paquistão, em comparação com 2.079 solturas do vizinho no mesmo período.

O Fórum dos Pescadores do Paquistão, grupo de defesa da categoria, diz que as prisões violam a Convenção da ONU sobre a Lei do Mar, assinada por ambas as nações.

Para Paquistão e Índia, porém – que tiveram três guerras e possuem arsenais nucleares imensos – os pescadores não passam de joguete em um jogo diplomático bem maior. "Somos vítimas de uma inimizade muito antiga", conclui Kamal Shah, porta-voz do Fórum.

A fronteira não é o único desafio enfrentado pelos pescadores: em uma boa temporada, uma carga de peixe e frutos do mar chega a render US$240 para cada membro da tripulação; na ruim, pode cair para US$20. Apesar de tudo isso, Abdul, ainda às voltas com o tapete, diz que tem vontade de voltar para o mar.

"Ele não conhece mais nada", filosofa Shah, sentado ao lado da família Shakoor. "Vai fazer o quê, virar ladrão?"

Mas a mulher de Abdul se mostra irredutível: "Pelo menos ele está aqui conosco".

Contribuiu Declan Walsh

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