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John Lasseter, com um bloco de anotações na mão, se ajeitou na cadeira da sala de projeção, já à meia luz, na sede da Pixar, em julho de 2012.

O diretor de criação do estúdio estava ali para avaliar o progresso de “Divertida Mente”, o filme novo que se passa na cabeça de uma garota de onze anos.

Não demorou muito para o clima esfriar até o ar parecer congelado. “Levantei e disse que não ia mostrar o filme porque achava que não estava dando certo”, conta Pete Docter, que criou “Divertida Mente” depois de faturar um Oscar com “Up: Altas Aventuras”.

Àquela altura, ele já estava trabalhando no projeto há mais de dois anos. “Vi o John fazendo assim”, descreve, fazendo cara feia e cruzando os braços. “Foi assustador. Não parecia satisfeito”.

Resolver impasses criativos é marca registrada da Pixar e a companhia parece ter repetido a dose. No formato final, “Divertida Mente”, com estreia mundial a partir deste mês, deve ser sua 15a superprodução consecutiva. E causou uma reação eufórica dos críticos no Festival de Cannes.

Seu sucesso representaria mais para esse pequeno estúdio da Disney que faturamento e prêmios; afinal, em 2014, pela primeira vez em nove anos, a Pixar não lançou nada — e a maior concorrente, a DreamWorks Animation, também teve um desempenho péssimo, o que levou à especulação de que o gênero estivesse em crise.

“A pressão sobre ‘Divertida Mente’ é tremenda. A expectativa do público com a animação gráfica, enquanto forma de arte, agora é maior que nunca”, constata Maija Burnett, diretora do curso de Animação de Personagens do Instituto de Artes da Califórnia.

Na verdade, esse é o primeiro filme original da Pixar realizado quase que inteiramente sem Steve Jobs que, além de ser o fundador, se tornou uma presença forte no estúdio desde sua morte, em 2011. O sucesso será prova de que seu espírito continua intacto, apesar da preocupação de fãs e críticos com a falta de inspiração e o uso, com uma frequência cada vez maior, do recurso das sequências.

“Divertida Mente” conta a história de Alegria, Medo, Nojinho, Raiva e Tristeza, que governam uma menina chamada Riley no centro de controle dentro da mente dela, agindo para mantê-la segura, fazê-la feliz e motivá-la a defender o que é certo – todos menos a Tristeza, letárgica e desengonçada. Ninguém sabe nem por que ela está ali.

Será que pode ser prejudicial à menina?

Com a mudança da família de Riley para outra cidade, Tristeza e Alegria (dubladas por Phyllis Smith, de “The Office”, e Amy Poehler) se perdem nos confins de sua mente.

Enquanto a dupla perdida navega por regiões como Memória de Longo Prazo e Pensamento Abstrato para tentar voltar aos controles, Medo (Bill Hader), Nojinho (Mindy Kaling) e Raiva (Lewis Black) permanecem no comando.

Prepare-se: o resultado é uma pré-adolescente petulante.

Como “Up”, que conta a história de um septuagenário tendo que lidar com a morte da mulher, “Divertida Mente” pretende divertir e, ao mesmo tempo, fazer o público se entender um pouco melhor.

Com seu primeiro filme, “Monstros S.A.” (2001), Docter levantou a seguinte questão: e se as criaturas debaixo da sua cama fossem muito legais? “Up” fez com que uma casa amarrada a um punhado de balões, flutuando em plena selva amazônica, parecesse totalmente plausível. Ele é também responsável pelos roteiros de “Toy Story” e “Wall-E”.

Para compreender como surgiu “Divertida Mente”, ajuda saber um pouco mais sobre a infância do diretor: quando estava na quinta série, em Minnesota, seus pais, ambos professores, se mudaram com os filhos para a Dinamarca, durante um ano.

“Foi a época mais difícil da minha vida. De repente, bum!, aquela bolha idílica em que eu vivia estourou e, de uma hora para outra, percebi que tudo o que fazia, vestia e dizia era julgado pelas outras pessoas”, conta Docter, hoje com 46 anos.

E, no final de 2009, percebeu que a filha, Elie, na época pré-adolescente, estava passando mais ou menos pela mesma coisa. “Ela começou a ficar mais quieta, reservada e isso despertou várias inseguranças e medos meus. E também me fez questionar o que estava acontecendo. O que se passa na cabeça da gente nessas horas?”.

Docter e sua equipe começaram a pesquisar o funcionamento da mente, já que o filme pretende fazer sentido cientificamente. Por exemplo, para os especialistas, as memórias de curto prazo se transferem para o compartimento de longo prazo durante o sono; quando Riley vai dormir, suas lembranças, representadas por bolinhas de gude, são processadas através de uma série de canaletas e rampas.

O grande problema da história envolvia Medo e Tristeza, mas, durante uma boa parte do tempo, era a Alegria e o Medo que se perdiam juntos. “Parecia a opção mais divertida”, resume ele.

Conforme o trabalho foi evoluindo, entretanto, a dupla parecia não se encaixar. Docter saiu para caminhar em uma manhã de domingo e começou a pensar nos amigos da Pixar. “Tinha compartilhado muitos momentos tristes com aquele pessoal, principalmente quando perdemos Steve”, conta ele.

E continua: “Naquele momento me toquei de que a resposta estava na Tristeza.

Estávamos tentando deixá-la de lado, mas era ela que tinha que fazer a tal da viagem. Alegria tinha que entender que tudo bem Tristeza assumir o controle de vez em quando.”

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