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O principal mercado no campo de refugiados de Shatila, um dos dois assentamentos que crescem rapidamente na periferia de Beirute, no Líbano | Bryan Denton para The New York Times
O principal mercado no campo de refugiados de Shatila, um dos dois assentamentos que crescem rapidamente na periferia de Beirute, no Líbano| Foto: Bryan Denton para The New York Times

Uma enorme chave de ferro está pendurada em uma torre de água em uma encruzilhada no acampamento de refugiados palestinos de Shatila, ao sul do centro da cidade de Beirute. A escultura alude às chaves enferrujadas que muitas famílias mantêm das casas que perderam quando fugiram do local que se tornou Israel em 1948.

Agora, uma nova onda de refugiados, desta vez vinda da Síria, aproximadamente dobrou a população de Shatila e do acampamento vizinho, Sabra, para 40 mil, diz a ajuda humanitária. Os recém-chegados estão entre os mais de 1 milhão de pessoas que vieram da Síria para o Líbano — país de 4 milhões de habitantes quando a guerra começou — e radicalmente redefinem bairros como esses.

Em Shatila, as pessoas adicionam novos pisos às suas casas, na esperança de alugá-las por preços que não param de subir. Novas negócios estão abrindo, quer seja por sírios ou para eles. Sistemas de água e esgoto estão sobrecarregados. E como a guerra civil na Síria continua e os recém-chegados começam a duvidar que voltarão para casa um dia, as mudanças começam a oferecer uma sensação de permanência.

Esse processo se desenrola por todo o Líbano e por outros países que fazem fronteira com a Síria, em mais uma reorganização do Oriente Médio. Mas em Sabra e Shatila, a mudança traz camadas extras de memória histórica e dificuldades.

As palavras Sabra e Shatila ressoam como um símbolo da vulnerabilidade dos refugiados. Eles não são apenas os nomes dos campos, mas remetem ao notório massacre de 1982, quando militantes cristãos libaneses mataram civis palestinos enquanto tropas israelenses cercavam a área sem fazer nada.

Elas também remetem à pobreza. "Campos" é um termo impróprio para assentamentos que há décadas se transformaram em favelas urbanas densamente ocupada, mas não planejadas.

Yusef al-Masri, de 46 anos, palestino nascido e criado em Shatila, disse que sua avó muitas vezes contou o que sua família havia planejado há 66 anos, quando deixaram sua cidade na Galileia — Safad, agora chamado de Tzfat ou Safed, em Israel — durante a guerra da fundação de Israel.

"Eles diziam, ‘Vamos deixar tudo e voltar em três dias’", lembrou. "Não voltamos."

Ele prevê um destino semelhante para os sírios.

As ruas do campo, a maioria muito estreita para carros, são tomadas por carrinhos de entrega e crianças correndo. Fios elétricos improvisados formam um toldo, e o fedor de esgoto está no ar. Libaneses pobres e trabalhadores migrantes vivem aqui entre os palestinos, que são mantidos na pobreza pelas restritivas leis libanesas que os excluem de muitas profissões.

Mesmo assim, Sabra e Shatila deram boas vindas mais calorosas aos novos refugiados do que muitos bairros mais ricos. Sírios movimentam-se livremente, mesmo à noite, quando muitas cidades libanesas impõem toque de recolher. Aqueles que temem as autoridades libanesas, porque têm residência ilegal ou são procurados na Síria por oposição ao governo, dizem que se sentem mais seguros onde as milícias palestinas imperam e as forças de segurança raramente vem.

Os palestinos fundaram uma organização, a Basma wa Zaytouna, para ajudar os refugiados da Síria e os residentes. Ela cresceu, e possui muitos programas, como uma escola informal e uma oficina de costura.

As chegadas incluem cerca de 5 mil palestinos que viviam como refugiados na Síria e agora estão vivendo o que alguns chamam de segundo Nakba, ou catástrofe, termo que palestinos usam para se referir ao deslocamento de 1948.

O Líbano não estabeleceu campos formais para receber os refugiados da Síria. Por isso, os refugiados precisam encontrar sua própria habitação.

Alguns palestinos se identificam com os sírios que enfrentam hostilidade crescente, pois são cada vez mais vistos como uma ameaça para o Líbano.

Outros veem os sírios como uma ameaça econômica. "Eles tomaram todos os postos de trabalho", disse Masri.

No entanto, novos refugiados também trazem benefícios, gastando seu modesto dinheiro no campo.

Os sírios aqui tendem a celebrar casamentos em casa para economizar dinheiro, mas não poupam nos vestidos. Em uma loja de casamento abastecida com armados vestidos de cetim, os refugiados pagam US$200, geralmente em parcelas, para alugar deles por uma noite. Ao lado, uma loja anuncia caras chamadas de telefone fixo para a Síria.

Na rua do mercado em Sabra, bandejas de baklavas enchem a loja de doces de Huzaifa Deek com o cheiro do pistache e da calda doce. Deek, sírio de 36 anos, já possuiu dezenas de lojas ao redor de Damasco, em lugares que hoje estão na lista de campos de batalha: Douma, Daraya, Jobar.

"As lojas estão seguras com Bashar", ele disse, em sarcástica referência ao presidente Bashar al-Assad. Ele seguiu seus clientes para Sabra e abriu uma loja ali. Mas ele encontrou resistência.

"Eles nos acusam de roubar seus clientes, porque vendemos doces mais baratos e mais saborosos", ele disse. "Mas é Deus quem nos dá essa graça."

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