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Jimmy Nail, à esquerda, astro de “The Last Ship”, e Sting, que concebeu o espetáculo, buscaram inspiração em sua cidade natal, Newcastle-upon-Tyne; o petroleiro Tyne Pride foi construído lá | Sara Krulwich
Jimmy Nail, à esquerda, astro de “The Last Ship”, e Sting, que concebeu o espetáculo, buscaram inspiração em sua cidade natal, Newcastle-upon-Tyne; o petroleiro Tyne Pride foi construído lá| Foto: Sara Krulwich

Jimmy Nail estava tendo uma experiência extracorpórea. Seu corpo franzino estava encolhido em uma cadeira no salão do subsolo do Neil Simon Theater, mas os olhos cansados repentinamente vasculharam os quatro cantos do recinto, como se ele estivesse tentando enxergar além das paredes: de volta a Newcastle-upon-Tyne, na Inglaterra; de volta aos estaleiros onde ele e os homens de sua família outrora trabalharam.

"Eu trabalhava em grandes turbinas que impulsionavam superpetroleiros", disse Nail, filho de um capataz de estaleiro e ator no musical "The Last Ship" (o último navio), com canções de outro nativo de Newcastle, Sting. "Havia um galpão que devia ter quatro vezes o comprimento desta sala, e no meio havia uma turbina, e homens rastejando por toda parte."

Embora seja um escritor e ator relativamente famoso no Reino Unido, Nail não escreveu nenhuma das canções ou falas de "The Last Ship", que tem libreto de Brian Yorkey e John Logan. Mas devaneios como esse dão indícios sobre as razões de Sting para manter Nail ao seu lado enquanto escrevia e encenava o musical, que, depois de um teste em Chicago, está estreando este mês na Broadway. "Tive uma intuição sobre Jimmy logo no começo, de que eu precisava dele como um talismã, algo assim, um esboço do tipo de ator que eu queria", disse Sting.

Não que Sting não tenha as próprias lembranças de Newcastle para aproveitar em "The Last Ship", que narra os esforços de operários da construção naval para assumir o controle de seu estaleiro fechado. Ele cresceu na mesma rua do estaleiro Swan Hunter, no bairro de Wallsend, em Newcastle, onde observava os destróieres e fragatas ganharem forma e testemunhava diariamente uma massa de milhares de operários da construção naval caminhando num passo arrastado diante da sua casa.

"Eu ficava apavorado com eles, e não queria acabar assim", disse Sting, cujo livro de memórias, "Fora do Tom" ("Broken Music", no original), detalha a rota de fuga que ele traçou por meio da música e literatura. "É irônico que eu tenha encontrado minha inspiração nessa coisa da qual fugi. Há uma dívida a pagar, de verdade."

Sting é rápido ao destacar que "The Last Ship" —no qual um filho pródigo chamado Gideon (interpretado por Michael Esper) retorna depois de anos distante de Wallsend —é mais alegoria do que autobiografia. Sua inspiração inicial, disse ele, foi um artigo publicado em 2009 no Times sobre empregados da construção naval, desempregados, que estavam construindo um navio em uma fábrica abandonada na Polônia.

No entanto, embora o ambiente pós-industrial inglês de "The Last Ship" pareça situar a obra em um gênero estranhamente popular ("Billy Elliot," "Kinky Boots – Fábrica de Sonhos" ou "Ou Tudo ou Nada"), ela evita diligentemente referências a um período específico. Apesar de haver agitação marxista nas fileiras dos operários do musical, por exemplo, você não ouvirá o nome de Thatcher escapar dos lábios deles.

"Não há referências específicas a um tipo de música ou moda, tudo está em função do espetáculo. A canção de abertura se chama ‘Island of Souls’ (‘ilha das almas’). Não se chama ‘Estamos Trabalhando e Construindo Navios’."

O diretor, Joe Mantello, também minimiza paralelos biográficos ou históricos. "Gideon não é Sting", disse Mantello. Mas ele admitiu: "Como Gideon, Sting teve de voltar ao seu passado para destravar alguma coisa. Ele teve bloqueio de escritor por dez anos, e teve de voltar a esse lugar de onde tinha fugido para desbloquear alguma coisa dentro de si".

Parece claro, de fato, que Sting está resolvendo alguma coisa com "The Last Ship". Aos 63 anos, ele ainda impressiona por sua figura esguia e sagaz. Em uma recente entrevista, pareceu surpreendentemente vulnerável.

"Voltar à minha cidade natal me traz uma porção de lembranças dolorosas", disse Sting, cuja autobiografia também descreve os danos que um duradouro relacionamento extraconjugal da sua mãe causou para o casamento dos pais —e um triângulo amoroso está no centro do musical. "Tenho de desenterrar uma porção de coisas."

Se Sting parece mais focado e com os pés no chão hoje em dia, pode ser graças à firme influência de Nail, que, depois do aprendizado nos estaleiros, partiu para Londres para se tornar ator, escritor, cantor e compositor. Os dois têm uma relação fraternal, com Nail, embora três anos mais novo, aparecendo como o irmão mais velho. Ele até mesmo alega ter um privilégio não desfrutado pela mulher de Sting. "Eu o tenho chamado bastante de Gordon", disse ele, referindo-se ao nome original de Sting, Gordon Sumner.

Não é uma provocação à toa. "Durante o processo da escrita", disse Nail, "eu achei que era parte do meu trabalho mantê-lo conectado ao lugar de onde isso vinha".

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