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O Nepal estava em meio ao caos político e econômico quando aconteceu o terremoto de 25 de abril. Homem é resgatado em Katmandu | Narendra Shrestha/European Pressphoto Agency
O Nepal estava em meio ao caos político e econômico quando aconteceu o terremoto de 25 de abril. Homem é resgatado em Katmandu| Foto: Narendra Shrestha/European Pressphoto Agency

A casa e o vilarejo onde ela morava, perto do epicentro do terremoto, foram destruídos, seu avô morreu e ninguém de fora – nem soldado, policial ou bombeiro – ainda tinha chegado para ajudar.

Bhima Lama, uma nepalesa que vive em Nova Déli, conseguiu tirar essas conclusões graças às ligações picadas de/para os moradores, que não têm onde dormir e estão se arranjando com o mínimo de água e comida que encontram. É uma história que certamente será repetida à exaustão nas próximas semanas, enquanto as equipes de resgate lutam para se movimentar nas estradas bloqueadas, fugindo dos deslizamentos, para chegar às áreas mais remotas do Nepal.

Com 27 milhões de habitantes, o país estava mergulhado no caos político e econômico muito antes do terremoto de 25 de abril – e o desastre natural sem dúvida complicou as tentativas de superar as brechas geradas por décadas de guerra e paralisia política.

Os nepaleses são conhecidos por serem durões e obstinados. Sherpas (guias) e gurkhas (soldados) são tão famosos pela resistência que seus nomes se tornaram sinônimos de força e coragem – mas o país onde vivem há anos é um teste de paciência e bravura para qualquer um.

Os dez anos de insurgência maoísta chegaram ao fim em 2006, mas, desde então, os líderes políticos parecem incapazes de chegar a um acordo a respeito da constituição, mesmo com a realização de duas eleições e as repetidas promessas de um consenso. Em entrevistas, a população diz que é forçada a lidar com a tragédia sem praticamente nenhum apoio do governo e reclama que seus líderes tornaram a nação vulnerável, permitindo obras frágeis e o total desrespeito às normas de construção.

Achutraj Subedi, empresário do setor de construção, se contorce de dor em um hospital de Katmandu – a coluna, o crânio e a perna esquerda gravemente feridos pelo desabamento de um prédio no terremoto. Seu cunhado, Youraj Sharma, é quem cuida dele e disse que ambos sabiam muito bem que o país não foi vítima apenas das forças tectônicas.

“Nós dois trabalhamos na construção e sabemos que muita gente por aí faz casa, levanta prédio sem pilar, sem hastes de ferro para suporte, com materiais de péssima qualidade”, desabafa ele.

O país tem um potencial hídrico imenso, mas falta energia há tanto tempo que mesmo na capital Katmandu, várias áreas ficam no escuro até 14 horas por dia.

O setor de manufatura representa pífios seis por cento na economia do país; a pobreza é endêmica, a poluição do ar sufoca e as estatísticas de saúde pública são aterradoras. Com poucas ofertas de trabalho, os jovens se tornaram parte do êxodo moderno; a escala da emigração que há tempos assombra os economistas, não para de crescer.

Oficialmente, 1.500 nepaleses deixaram o país por dia, em média, em 2014 para assumir empregos temporários; segundo as autoridades, em 1996 eram seis. Extraoficialmente, o número de emigrantes para a Índia pode ser ainda maior. Os economistas calculam que, dependendo da época do ano, 25 por cento da população pode estar trabalhando fora de suas fronteiras.

Justamente quando são mais necessários, os nepaleses mais fortes estão trabalhando em projetos de construção por todo o Oriente Médio e Ásia. Os vilarejos remotos, destruídos, abrigam praticamente apenas idosos, mulheres e crianças. Homens jovens só aparecem em fotos – e fundos de transferência.

Há tempos especialistas e historiadores discutem as raízes da cultura política tóxica do país – e muitos concluíram que as montanhas quase intransponíveis que o cercam criaram um caleidoscópio tão fragmentado de comunidades que é praticamente impossível se chegar a um consenso.

Governado durante séculos pela monarquia, o Nepal possui 125 grupos étnicos; são 127 línguas faladas, dezenas de castas e três ecossistemas totalmente diferentes que o dividem. A elite se recusa a dividir o poder com o povo madhesi e a família real simplesmente implodiu quando o príncipe herdeiro matou o rei, a rainha e vários outros parentes, em 2001.

“Torço para que essa tragédia finalmente force um consenso político entre a elite política nepalesa”, diz Shyam Saran, ex-embaixador indiano no Nepal.

A Índia, aliás, vizinha gigante do Nepal, lidera as operações de ajuda humanitária. Se esses esforços serão suficientes, ainda não se sabe. Muitos nepaleses se mostram ambivalentes sobre a relação com a nação, sentindo que há décadas ela se alterna entre a intrusão desrespeitosa e a negligência inoportuna.

O péssimo estado das estradas que ligam os dois países, verdadeiro símbolo da falta de iniciativa compartilhada e desenvolvimento comum, dificulta a retirada dos moradores presos pelo abalo.

Por enquanto ainda não se sabe como os principais temas que regem a história moderna do Nepal — perseverança pessoal e desordem pública — vão contribuir para a luta pela recuperação e reconstrução.

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