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Líder militante Abubakar Shekau | Agence France-Presse/ Getty Images
Líder militante Abubakar Shekau| Foto: Agence France-Presse/ Getty Images
  • As mães de algumas das meninas sequestradas em abril pelo Boko Haram aguardam notícias

À medida que se espalhava pelo Twitter e o Facebook a notícia de que militantes nigerianos se preparavam para leiloar mais de 200 estudantes sequestradas em nome do islamismo, outra rede na internet, muito diferente, começava a fervilhar discretamente.

"Uma notícia dessas é difundida para macular a imagem dos mujahideen", escreveu comentarista num fórum usado por militantes islâmicos, cujo administrador usa uma foto de Osama bin Laden.

O grupo nigeriano Boko Haram, que realizou os sequestros, já foi há muito tempo rejeitado por estudiosos islâmicos e partidos muçulmanos mais tradicionais no mundo todo, pela sua crueldade aparentemente sem sentido e pelos caprichos de violência contra civis.

Mas o rapto coletivo de estudantes no mês passado —um ato impressionante, mesmo aqui, onde a escravidão infantil não é incomum— parecia ser demais para colegas militantes normalmente ávidos em aprovarem atos terroristas contra o Ocidente e seus aliados.

"O fato de eles terem atacado uma escola para meninas é notícia!", escreveu outro usuário, atônito, sugerindo delicadamente que a Boko Haram poderia, talvez, estar matando não combatentes demais, em vez de inimigos armados.

Ele orou para que Deus "os mantenha firmes no caminho" do islamismo. A perplexidade dos colegas jihadistas é um reflexo das redes cada vez mais díspares de grupos radicais islâmicos.

"A violência que a maioria dos grupos rebeldes africanos pratica faz a Al Qaeda parecer um bando de meninas", disse Bronwyn Bruton, um estudioso da África no Conselho Atlântico, em Washington.

"É preciso se perguntar sobre como lidar com gente que está fazendo coisas tão hediondas que nem mesmo os líderes da Al Qaeda se dispõem a tolerar."

A reputação do Boko Haram de assassinar indiscriminadamente inocentes é incompatível com a iniciativa dos líderes da Al Qaeda de evitar essas mortes, por medo de alienar potenciais apoiadores.

Esse foi o motivo da polêmica que levou recentemente a rede terrorista a romper com uma ex-filial sua, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante.

Formada no começo da década de 2000, o Boko Haram surgiu a partir de um movimento islâmico ultraconservador de estudantes com boa formação. O grupo mais tarde se tornou abertamente político, sob a liderança de Mohamed Yusuf.

Yusuf e o Boko Haram aproveitaram a fúria dos nigerianos do norte contra sua pobreza e os abusos sofridos nas mãos das forças de segurança do governo, segundo Paul Lubeck, professor da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.

No início, embora usasse a violência para mostrar oposição, o grupo evitava matar civis.

Isso mudou em julho de 2009, quando cerca de 70 combatentes atacaram uma mesquita e uma delegacia de polícia em Bauchi. Estima-se que 55 pessoas tenham sido mortas na batalha.

No dia seguinte, as forças de segurança nigerianas retaliaram com uma repressão brutal que matou mais de 700 pessoas, incluindo muitos inocentes.

Os agentes desfilaram com Yusuf diante das câmeras de televisão e, em seguida, executaram-no diante de uma multidão —um episódio que os seguidores do grupo muitas vezes lembram com horror como sendo o momento decisivo na sua guinada para a violência generalizada.

No final de 2010, sob a nova liderança de Abubakar Shekau, antes o segundo na hierarquia do grupo, o Boko Haram começou a promover ataques mais letais.

Combatentes começaram a realizar uma campanha de assassinatos por armas de fogo a partir de motocicletas. Saíram com caminhões equipados com artilharia. E passaram a agir de modo cada vez mais indiscriminado.

Shekau, um líder que diz se comunicar com Deus, afirma que o propósito da violência é demonstrar a incapacidade do Estado.

Por mais ultrajante que seja, a imagem de um mercado escravagista evocada por Shekau poderia se destinar em parte a chamar a atenção, segundo o acadêmico Benjamin Lawrance, do Instituto de Tecnologia de Rochester, no Estado de Nova York.

Mas, acrescentou ele, "não é um exagero imaginar" esses lugares. Numa visita a qualquer país da África Ocidental, afirmou, "eu não teria nenhuma dificuldade em encontrar, em questão de horas, um lugar para adquirir crianças".

O tráfico de crianças é considerado um problema tão insidioso que o Conselho de Direitos Humanos da ONU há quase 25 anos designa relatores para investigá-lo.

O último deles, a marroquina Najat Maalla M’Jid, disse em um relatório em dezembro que os casos de tráfico infantil representaram 27% de todo o tráfico humano detectado entre 2007 e 2010.

Na África e no Oriente Médio, segundo o relatório, mais de 60% das vítimas de tráfico detectadas eram crianças. Ativistas de direitos humanos dizem que muitos casos passam despercebidos.

Susan Bissell, diretora de proteção à criança do Unicef ​​, diz que há 1,2 milhão de casos de tráfico infantil no mundo todos os anos, e "é uma estimativa por baixo".

Bissell disse que parte do problema é que muitas das vítimas carecem de identificação —230 milhões não têm certidão de nascimento, o que torna praticamente impossível rastreá-las.

"Estamos em 2014", disse ela, "temos a capacidade tecnológica e estamos interligados, e ainda assim não conseguimos proteger as nossas crianças".

Ela disse que, para cada 800 vítimas, uma pessoa é condenada, um poderoso indicador da impunidade com que os traficantes costumam agir.

Grupos como a Boko Haram, disse ela, "estão funcionando em uma parte do país onde simplesmente parece não haver regras".

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