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Richard Lee Norris, antes e 16 meses após seu transplante de rosto de 2012. Um tiro de escopeta o havia desfigurado | The Lancet
Richard Lee Norris, antes e 16 meses após seu transplante de rosto de 2012. Um tiro de escopeta o havia desfigurado| Foto: The Lancet

Quando o primeiro transplante de rosto do mundo foi realizado na França, em 2005, aquilo ampliou as fronteiras da medicina e foi notícia. Mesmo assim, o futuro do procedimento era muito duvidoso.

Os cirurgiões, que operaram uma mulher de 38 anos cujo rosto havia sido atacado por seu cachorro Labrador, tiveram de superar a oposição de prestigiadas sociedades médicas, que classificaram o procedimento como antiético e imoral. Os críticos, incluindo cirurgiões que haviam perdido a corrida pela realização do primeiro transplante de rosto, afirmaram que a equipe pioneira não teria seguido as orientações éticas e legais.

Mas a primeira revisão abrangente de cada transplante de rosto relatado desde então – 28 em sete países – acabou com muitas das dúvidas iniciais.

O relatório publicado online pela revista "The Lancet" em abril diz que o procedimento é geralmente seguro e viável, e deveria ser oferecido a mais pacientes.

A aprovação é cautelosa: os pesquisadores apontam que a operação ainda é experimental, arriscada e cara (no mínimo US$300 mil), e que os pacientes devem ser cuidadosamente selecionados. Após o transplante, os receptores podem sofrer infecções e reações a medicamentos tóxicos antirrejeição.

Mas o artigo acrescenta que, para muitas pessoas – vítimas de problemas genéticos, tiros, mordidas de animais, queimaduras e outros acidentes –, o transplante pode suavizar ou apagar as grotescas deformidades que as sujeitam a insultos, discriminação, isolamento e depressão grave.

As técnicas convencionais de reconstrução são geralmente inadequadas, e podem gerar cicatrizes terríveis e deformidades nos locais do corpo do paciente de onde é removido tecido para colocação na região facial.

Por outro lado, transplantes de rosto transformaram as vidas de quase todos os receptores sobreviventes. Eles reconquistaram sua capacidade de comer, beber, falar de forma mais compreensível, cheirar, sorrir e piscar; muitos emergiram do ostracismo e depressão. Quatro receptores voltaram ao trabalho ou à escola (três pacientes morreram).

A ideia de um indivíduo usar o rosto de outro inicialmente assustou alguns críticos. Mas nenhum receptor lembra fisicamente o doador.

O novo rosto "é uma mistura bastante única do receptor e do doador, e você não reconheceria o doador caminhando pela rua", explicou o principal autor do estudo, dr. Eduardo D. Rodriguez do NYU Langone Medical Center, em Nova York, numa entrevista. Ele é formado em medicina e odontologia, e comandou a equipe que realizou um transplante facial completo em 2012, quando estava na Universidade de Maryland.

O novo rosto fica inicialmente dormente, como se o receptor tivesse vindo do consultório do dentista. Mas a dormência dura apenas alguns meses.

Céticos duvidaram que os receptores jamais reconquistariam as sensações faciais normais – o sentimento de uma brisa, o cheiro de grama cortada. Mas alguns conseguiram, até três meses após o transplante. Certos críticos argumentaram que o reparo dos nervos levaria tempo demais para atingir ganhos funcionais, como nos atos de comer e engolir, mas alguns pacientes conseguiram mexer seus novos lábios em seis meses e fechar a boca em oito. Com três meses, alguns conseguiam engolir e falar de maneira inteligível. Os sorrisos começaram mais tarde, após cerca de dois anos, e continuaram melhorando após oito anos.

Sem surpresa, a principal razão do sucesso foi um rigoroso esforço pré-transplante para identificar candidatos que seriam motivados a manter um regime antirrejeição e que tinham um forte sistema de apoio social. Decidir quem é e quem não é um candidato a transplante de rosto costuma ser mais extenuante do que a cirurgia em si, que pode levar mais de um dia.

Cirurgiões podem passar anos treinando para o procedimento, e então vários meses buscando um doador com compatibilidade de compleição, estrutura óssea e outras características importantes.

Uma equipe remove o rosto e tecidos subjacentes do doador, enquanto uma segunda equipe remove as partes danificadas do rosto do receptor. Ossos, se necessário, são presos primeiro. Então, quatro artérias e veias principais, duas em cada lado do pescoço, são conectadas o mais rápido possível. Assim que há sangue fluindo para nutrir o novo rosto, os cirurgiões podem passar mais tempo costurando nervos, músculos, outros tecidos moles e finalmente a pele.

Conforme o enxerto cicatriza e os nervos se regeneram, começa a reabilitação para reaprender a falar e realizar outras atividades; o monitoramento da rejeição dura a vida toda. Os sucessos iniciais de transplantes de mãos e braços, desde 1998, ajudaram os defensores do transplante de rosto. Como os dois tipos de transplante envolvem uma mistura de ossos, vasos sanguíneos, músculo, nervos e outros tecidos moles, os céticos diziam que a terapia imunossupressora padrão poderia não evitar a rejeição. Mas um regime de três medicamentos usado para transplantes de coração, fígado e rins acabou funcionando.

Cirurgiões franceses são os líderes, tendo realizado 10 desses transplantes. Sete foram conduzidos nos Estados Unidos, sete na Turquia, três na Espanha e um na Bélgica, na China e na Polônia.

Os custos da cirurgia e a terapia antirrejeição exigem suporte financeiro vitalício. Muitos receptores precisam de revisões cirúrgicas para problemas como realinhamento de ossos e dos dentes, que elevam o risco de infecções e dificuldades de cicatrização.

Agências do governo têm contribuído com a pressão pela expansão. Como afirmou o Dr. Rodriguez, "Com algumas vítimas entre bombeiros, policiais e militares, pode-se dizer que temos um imperativo moral de restaurá-los à sociedade".

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